Contaminação, excesso destemido e ousado

O Estado de S.Paulo - Sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

sex, 22/02/2008 - 16h47 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Contaminação, título que Joana Vasconcelos deu à instalação que ocupa a partir de amanhã o octógono da Pinacoteca, deixa evidente o partido assumido pela artista na idealização desse trabalho. Consciente da força e da imponência do espaço arquitetônico a ser enfrentado – ampla sala de mais de 16 m de altura, em formato octogonal que funciona como núcleo central do prédio do museu -, a artista portuguesa optou por convocar todas as suas armas. Em vez de fazer opções e harmonizações, elegendo cores, formas e texturas em sintonia umas com as outras, Joana reuniu-as num mesmo e gigantesco conjunto. O resultado é uma grande e poderosa figura amebóide, capaz de absorver os elementos mais diversos, contaminar e alterar nossa relação com o espaço.

O convite para realizar a intervenção na Pinacoteca foi feito há três anos. De lá para cá, a artista tem reunido elementos os mais diversos e contado com a colaboração de quase uma dúzia de assistentes. Só nas últimas três semanas, sete costureiros brasileiros e portugueses – além da própria Joana – têm trabalhado no museu para finalizar a instalação, numa ação extremamente performática que tem atraído a atenção dos visitantes. Tecidos da Turquia, Japão e França se somam aos achados garimpados na 25 de março (lugar que visita com freqüência desde sua primeira mostra no País, em 2004) e a centenas de retalhos e peças de crochê produzidas nos últimos meses por artesãs portuguesas.

‘A regra é não ter regra’, afirma Joana, que confessa sempre se surpreender com o resultado final de ações como essa. Isso não quer dizer que a artista não saiba perfeitamente o que tem em mente ou que tenha abandonado a contundência conceitual que caracteriza sua produção. A diferença é que aqui, ao contrário de peças como A Noiva (um grande candelabro feito com milhares de absorventes íntimos, grande destaque na Bienal de Veneza em 2005), o processo consiste em dar espaço às mais diferentes formas de expressão criativa, em buscar a síntese a partir do excesso e não do harmônico, do coletivo e não do gosto individual, do multicultural e não de uma tradição estética particular.

Ao jogar-se nesse barroquismo, nesse excesso destemido e ousado, ela não apenas se impõe ao espaço duro e marcante, como enfrenta conceitos arraigados na produção contemporânea, buscando novos e mais democráticos caminhos de criação artística. Dentre os tabus enfrentados nesse processo estão a rejeição do fazer manual ou sua restrição à pequena escala. Há também uma evidente provocação na adoção do excesso cromático e decorativo, que acaba por gerar um grau de abstração inédito, para dar conta de um amplo espaço arquitetônico. É por meio do pequeno e da soma de singularidades que o desafio é vencido, transformando a secura neoclássica em cenário sedutor.

(SERVIÇO)Joana Vasconcelos. Pinacoteca. Pça da Luz, 2, telefone 3324-1000. 3.ª a dom., 10/18h. R$ 4 e R$ 2. Sáb. grátis. Até 20/4. Abertura amanhã, 11 h