Conservatório de Tatuí: pioneirismo no fortepiano

Diário de Sorocaba

qua, 12/08/2009 - 9h45 | Do Portal do Governo

CDMCC é o primeira do País a oferecer curso do instrumento construído nos Estados Unidos e que exigiu investimento de R$ 100 mil  

O Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, da cidade de Tatuí, mantido pela Secretaria de Estado da Cultura, recebeu no dia 30 de julho seu primeiro fortepiano, instrumento que é considerado o pai do piano moderno. Construído por César Guidini, nos Estados Unidos, o instrumento custou R$ 100 mil e dá à instituição status destacado no cenário nacional: o CDMCC torna-se, assim, a única instituição pública a possuir um fortepiano (há apenas outros três exemplares no País, que pertencem a instrumentistas de Campinas, Rio de Janeiro e Tietê) e também a única escola de música brasileira a oferecer um curso de fortepiano. 

“Acredito que o Conservatório de Tatuí é a primeira escola da América Latina a oferecer tal curso. Isto é um marco na história da instituição”, acrescenta Pedro Persone, o primeiro a trazer o instrumento ao Brasil em 1991, no “Ano Mozart”, e com doutorado em performance histórica pela Boston University. “Toda a área de performance histórica está feliz por poder contar com esse curso e com um instrumento tão finamente acabado, rico em sonoridade e com uma mecânica tão perfeita”, complementa a professora Débora Ribeiro, coordenadora da área de performance histórica no Conservatório de Tatuí. 

O FORTEPIANO – O fortepiano adquirido pelo CDMCC foi construído por César Guidini, aliás também ex-aluno de luteria do Conservatório de Tatuí, que, posteriormente, trabalhou durante anos na Hubbard Harpsichords, em Boston, e atingiu um nível de excelência na construção a ponto de ser convidado a restaurar instrumentos para o Boston Fine Arts Museum. “Guidini é extremamente caprichoso nos instrumentos que faz e purista em seguir as medidas e detalhes dos originais que copia”, destaca Persone, ex-professor do construtor. 

O fortepiano – que não deve ser confundido com pianoforte, já que este significa, na Itália e na Rússia, o piano moderno – é o histórico, de mecânica simples (vienense ou inglês), anterior a 1850. O instrumento adquirido pelo Conservatório de Tatuí é uma cópia feita por César Guidini de um fortepiano de Anton Walter, Viena, ca. 1800. Ele tem cinco oitavas e duas notas, cordas duplas até o b e, a partir daí, cordas triplas. “Com este instrumento, faremos todo o repertório, desde Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788), passando por Mozart, Haydn e Beethoven (até op. 53)”, comemora ainda Débora Ribeiro. 

O CURSO – O curso de fortepiano será um dos oferecidos dentro da recém-criada área de performance histórica do Conservatório de Tatuí. Além de fortepiano, o único oferecido no País, há cursos de flauta doce e cravo. A área ainda oferece tanto para a aula, como para estudo dos alunos dois cravos franceses de dois manuais, um cravo italiano de um manual, uma espineta inglesa, um cloavicórdio não trastado e um fortepiano vienense de cinco oitavas. 

Apesar da área ter sido formalmente criada apenas neste ano de 2009, os estudos de performance histórica foram iniciados no CDMCC em 1982, com o professor Roberto De Regina, convidado pelo então diretor José Coelho de Almeida a atuar com um grupo específico de instrumentistas. O curso não teve continuidade, mas De Regina legou à instituição um cravo de dois teclados, que foi utilizado por mais de dez anos. Em 1985, os professores Pedro Persone e Bernardo Toledo Piza foram contratados para atuarem nos cursos de flauta doce e cravo, mas ainda subordinados às áreas de sopros e piano. A iniciativa foi importante, contudo, porque formou dezenas de alunos que, atualmente, atuam em diferentes pontos do mundo na área de performance histórica – há profissionais na Holanda, Japão, Bélgica e Portugal. “A área foi solidificada agora, mas o trabalho foi iniciado em 1985”, disse Persone. “Outra iniciativa foi a da professora Maria Eugenia Sacco, que apresentou um projeto à Fundação Vitae e, por meio dela, obteve para o Conservatório de Tatuí um cravo e uma espineta. Isso deu outra dimensão ao curso que, até então, estava focado no cravo e flauta doce”, comentou Persone, que deixou a instituição para seguir estudos de doutorado na Boston University. 

A implantação do curso de fortepiano é, segundo a coordenadora da área de performance histórica Débora Ribeiro, importantíssima para o segmento no País. “Só agora, com a visão do diretor Henrique Autran Dourado e do assessor pedagógico Antônio Ribeiro, é que a área foi consolidada”, conclui ela. 

O fortepiano e sua história 

Três quartos de século depois de sua invenção, o fortepiano substituiu o cravo e o clavicórdio, pois suas qualidades sonoras eram ideais para o novo idioma da era clássica. Seu nome é uma simplificação do título dado inicialmente por seu inventor. Desde 1698, o construtor de cravos Bartolomeo Cristofori (1655-1731) trabalhava em um novo projeto: o Clavicembalo col Forte e Piano, ou seja, um cravo com forte e fraco – um instrumento que permitia gradações dinâmicas de forma mais explícita que o cravo. Isso somente seria possível com a utilização de martelos em lugar dos tradicionais plectros. 

Em meados do século XVIII, Gottfried Silbermann (1683-1753) e seu sobrinho, Johann Andreas (1712-1783), retomaram e viabilizaram o antigo projeto de Cristofori. Entretanto, o fortepiano só começaria a ocupar seu devido lugar nas mãos do construtor Johann Andreas Stein (1729-1792). O instrumento de Stein, de Augsburg, antigo aprendiz dos Silbermann, será a base para todos aqueles de Viena. Tais instrumentos eram de cinco oitavas (ou um pouco mais, cinco oitavas e duas notas, posteriormente cinco oitavas e meia, seis e seis oitavas e meia, no decorrer dos anos do classicismo) e utilizavam o famoso “Prellmechanik”, usado até boa parte do século XIX e conhecido também como “mecanismo vienense”. Os fortepianos de cinco oitavas eram os instrumentos utilizados por Mozart, Haydn e pelo jovem Beethoven (até seu Op.53) e para eles foi destinada a maior parte do repertório clássico e pré-romântico. 

Nas primeiras décadas do século XIX, o fortepiano começou a crescer em extensão, inicialmente nos agudos e, por fim, nos graves. Os pianos de Conrad Graf (1782-1851) eram famosos, elogiados por Beethoven e Schubert. Um instrumento Graf de seis oitavas e meia foi o presente de casamento, oferecido pelo construtor a Clara e Robert Schumann.