Concertos para a juventude

Diário de S. Paulo - Artigo - Quinta-feira, 27 de novembro de 2003

qui, 27/11/2003 - 10h00 | Do Portal do Governo

Por Gabriel Chalita e Cláudia Costin

Como toda a forma de arte, a música é capaz de operar milagres. Sua linguagem universal sensibiliza, comove, arrebata e emociona musicistas e ouvintes, estabelecendo entre eles conexões e sintonias inquebrantáveis. Aprender música significa receber em mãos uma partitura abrangente — espécie de mapa indicando jornadas que propiciam o encontro com o poético, com o ritmo, com a precisão, com o improviso, com a beleza.

Beleza capaz de unir o singelo e o complexo, numa junção magistral de acordes, compassos e tempos diversos. É justamente o contato com essa experiência mágica, transcendente e transformadora que a Secretaria de Estado da Educação, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura, propiciará aos mais de cinco mil internos das 68 unidades da Febem por meio da implantação do Projeto Guri em suas dependências.

A idéia é expandir os benefícios concedidos por esse projeto aos milhares de jovens da instituição, como forma de estimular a socialização e desenvolver sua auto-estima, autoconfiança, sensibilidade, criatividade, disciplina e senso de organização, além de propiciar conhecimento teórico e prático da arte musical. Conquistas que o Projeto Guri vem proporcionando desde sua criação, em 1995, quando iniciou seus trabalhos na Oficina Cultural Amácio Mazzaropi, com a participação de 180 crianças e adolescentes.

No ano seguinte, a iniciativa foi levada até a Febem, formando uma orquestra de 300 adolescentes. Jovens que tiveram a oportunidade de ampliar seus horizontes com doses maciças de lirismo e sofisticação. Jovens que aprenderam não apenas um ofício, mas uma maneira ao mesmo tempo lúdica e concreta de se manifestar, de encantar e de viver.

Oito anos após o plantio dessa semente, estamos colhendo frutos preciosos. O projeto já atende 23 mil crianças e jovens, em 110 orquestras e cameratas implantados na Capital e no Interior. Quatro já funcionavam em unidades da Febem (Mooca, Tatuapé, Taipas e Pirituba). O sucesso do empreendimento nessas primeiras unidades, bem como estatísticas que comprovam que entre aqueles 23 mil jovens, o índice de criminalidade é zero, refletindo-se na melhoria do aproveitamento escolar, nos dá a certeza de que estamos caminhando a passos largos para a ampliação de uma proposta eficaz para reabilitação desses menores. Proposta erguida sobre pilares de um projeto pedagógico diferenciado, atento às necessidades peculiares desses adolescentes em conflito com a lei.

A música é uma das rotas desse percurso inovador que traçamos na Febem. Trajetória abrangente composta por dezenas de cursos profissionalizantes, atividades esportivas e oficinas culturais realizadas em parceria com empresas e instituições da sociedade civil. Essa contínua transmissão de informações, conhecimentos e saberes complementa o aprendizado das aulas dos ensinos Fundamental e Médio, aplicadas aos internos em seu período de permanência nas unidades.

Esperamos que, num futuro próximo, alguns dos jovens da Febem possam fazer parte de alguns dos inúmeros grupos musicais existentes no projeto Guri, como as Orquestras Sinfônicas, de Cordas, Sopros, Cameratas de Violões e Big Bands. Grupos que já obtêm o respeito e a admiração do público e da crítica especializada em diversos eventos nacionais e internacionais. É o reflexo direto de um trabalho sério e competente. Um trabalho que visa, em primeiro lugar, ao bem-estar da criança e do adolescente.

Acreditamos que a arte e a educação constituem um dos caminhos mais seguros para a aquisição da cidadania plena. Nesse sentido, cremos ser a música uma ferramenta imprescindível que poderá oferecer aos jovens da Febem a possibilidade de desenvolver talentos, habilidades e competências variadas. É nossa pretensão instigar, principalmente, sua capacidade de sonhar e de concretizar um futuro melhor.

Um futuro que possa, quem sabe, repetir a façanha alcançada pela Orquestra Sinfônica de São Paulo, que deixou público e crítica atônitos nos concertos realizados na Suíça e Alemanha. Ou o sucesso obtido pela nossa orquestra Jazz Sinfônica, que mereceu um programa inteiro do “Altas Horas”, da TV Globo, dedicado a seu trabalho. Ou mesmo o apoio discreto mas fundamental das comunidades do Interior às bandas e fanfarras capacitadas e apoiadas em seu trabalho pela Secretaria da Cultura, que colocou partituras na internet, ao alcance de todos os que querem aperfeiçoar seu trabalho e seu conhecimento. Tudo isso soa como um milagre a quem sabe da importância de gerir em nome da sociedade e mais ainda a quem tem a responsabilidade por essa gestão. Um milagre feito pela música e pela inclusão cultural. Os jovens da Febem, no que depender de nós, poderão, em breve, comprovar essa afirmação.


Gabriel Chalita é secretário de Estado da Educação e Cláudia Costin é secretária de Estado da Cultura.