Cinema: Novo fôlego para a produção paulista

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

qua, 19/01/2005 - 9h44 | Do Portal do Governo

Programa estadual une estatais e iniciativa privada para fomentar a indústria, mas a classe pede mais

Patrícia Villalba

Não que São Paulo queira entrar numa nova disputa com o Rio, desta vez pelo lugar de primeiro pólo produtor cinematográfico do País. Mas o governo do Estado está unindo empresários e a classe cinematográfica para uma arrancada definitiva – quiçá, sem volta – no cinema paulista.

O passo mais vistoso foi o anúncio, na quarta-feira à noite, da lista de contemplados pelo Programa Extraordinário de Fomento ao Cinema Paulista, edição 2004, que vai beneficiar R$ 6,4 milhões para 20 longas-metragens e 10 curtas-metragens. Estes filmes já foram aprovados pelas leis federais de incentivo à cultura – critério imprescindível para participar do programa estadual – e passaram por uma comissão julgadora, no fim do ano passado. ‘Foram formadas três comissões: uma de produção, uma de finalização e uma de apoio à comercialização’, explica o cineasta Toni Venturi, secretário-executivo do Conselho Paulista de Cinema. ‘Recebemos, durante duas semanas de inscrições, 64 projetos. Destes, 13 foram escolhidos. Ou seja, a demanda é muito grande. Precisamos elevar o patamar do cinema paulista. Precisamos de mais recursos, não só das estatais e da iniciativa privada, mas queremos que haja recursos diretos da Secretaria de Cultura e do governo do Estado.’

A primeira edição do programa foi realizada em 2003, com apoio da estatal Nossa Caixa e do banco Santander-Banespa. Neste último concurso, o governador Geraldo Alckmin se empenhou pessoalmente em trazer novos parceiros – agora, apóiam a iniciativa a estatal Sabesp, a Ecovias e a Credicard. ‘Concluímos aqui um trabalho que vem crescendo ano a ano’, disse o governador, em breve discurso, na solenidade no Palácio dos Bandeirantes. ‘Tenho absoluta confiança de que, seguindo estes bons exemplos, vamos crescer a participação do governo e da iniciativa privada. Encerramos 2004 com R$ 6,4 milhões, que ainda é pouco, mas vamos crescer em 2005.’

A secretária de Cultura, Claudia Costin, mostrou-se muito otimista com relação à nova edição do concurso de fomento, que deverá receber inscrições no fim do ano. Mas prefere não fazer previsões de cifras. Conta, apenas, que tem sido procurada por várias empresas que desejam aderir ao programa. ‘Ao investir neste programa, o empresário tem a segurança de que está aplicando seu dinheiro em projetos que passaram pelo crivo de um júri idôneo. Esta é uma das vantagens.’

O concurso escolheu iniciativas das mais variadas, mas de cineastas paulistas que têm reconhecimento nacional. Laís Bodanzky, premiada diretora de Bicho de Sete Cabeças (2001), receberá um reforço para rodar União Fraterna. A história se passa durante a noite de baile de um clube de dança da terceira idade. Através da música e da dança, os personagens decidem espantar a sombra da morte.

Em Antonia, Tata Amaral filmará a história de três amigas que moram na periferia de São Paulo e sonham sobreviver cantando rap – que é notavelmente dominado pelos homens.

Há ainda documentários, como Atos dos Homens, no qual o diretor Kiko Goifman vai reconstruir histórias de massacres a partir da versão de sobreviventes.

Os filmes que entraram na categoria finalização (Crime Delicado, Tapete Vermelho e Ilha do Terrível Rapaterra) receberão R$ 200 mil, cada um. Em apoio à comercialização (caso de Cabra-Cega, Quanto Vale ou É Por Quilo? e Família Alcântara), foram R$ 150 para cada um. Os demais, na categoria produção, receberão cerca de R$ 460 mil, cada um. ‘Nós tínhamos metade do dinheiro necessário para finalizar o Crime Delicado’, conta a produtora Bianca Villar, sócia do diretor do filme, Beto Brant. ‘Agora, vamos poder terminar. Fica pronto no fim de fevereiro.’

No caso de o projeto precisar ainda de mais dinheiro, o produtor pode continuar batalhando patrocínio. ‘A gente acha que o patamar deveria ser de R$ 1 milhão’, diz Venturi. ‘A idéia não é de subsidiar inteiramente um filme, é uma ajuda, mas que tem de ser significativa.’

RENÚNCIA FISCAL

Há de se anotar, entretanto, que o programa de fomento do governo estadual é posto em prática por meio de leis federais de incentivo. Neste caso, a Secretaria de Cultura faz a ponte entre os empresários e os cineastas, mas não está metendo a mão no bolso, por meio de renúncia fiscal. Isso porque a lei estadual de incentivo à cultura, criada no governo Fleury, está desativada há seis anos (veja abaixo).

A situação não é vista com maus olhos pelo Ministério da Cultura, já que o programa é feito declaradamente em parceria com o governo federal. Tanto é que o ministro Gilberto Gil enviou um representante para a solenidade no Bandeirantes, o assessor especial da Secretaria do Audiovisual, Mário Diamante. Principal articulador da linha especial de crédito criada pelo BNDES para a implantação de salas de cinema – principalmente onde não há cinema -, Diamante aproveitou a ocasião para expor animadamente a iniciativa aos empresários presentes. ‘Fiz vários contatos aqui’, contou.

GOVERNADOR-ATOR

No fim de seu entusiasmado discurso, no qual comemorou o resultado do programa e declarou sua paixão pelo cinema nacional, o governador Alckmin se pôs à disposição dos cineastas vencedores do prêmio: ‘Se alguém tiver uma ponta em algum desses filmes, podem me chamar’, brincou.

Depois, questionado pelo Estado se prefere pontas em comédias ou dramas, Alckmin pensou por um momento e se decidiu pelos papéis cômicos. ‘Eu tentaria ser engraçado’, arriscou. ‘Não é querendo me gabar, não, mas apareço no final de Prisioneiro da Grade de Ferro (de Paulo Sacramento, 2003). Dê uma olhada, acho que não me saí mal.’

OS VENCEDORES

Longas-metragens

Ampla Visão de São Paulo (Eugênio Puppo)

Andar às Vozes (Eliane Caffé)

Antônia (Tata Amaral)

Atos dos Homens (Kiko Goifman)

De Corpo e Alma (André Klotzel)

Fora do Figurino (Paulo Pélico)

É Proibido Fumar (Anna Muylaert)

Garoto Cósmico (Alê Abreu)

Fim da Linha (Gustavo Steinberg)

Os Doze Trabalhos de Héracles (Ricado Elias)

Querô (Carlos Cortez)

União Fraterna (Laís Bondanzky)

Via-Láctea (Lina Charmie)

A Ilha do Terrível Rapaterra (Ariane Porto)

Crime Delicado (Beto Brant)

Tapete Vermelho (Luiz Alberto Pereira)

Cabra-Cega (Toni Venturi)

O Dono do Mar (Odorico Mendes)

Quanto Vale ou É por Quilo? (Sérgio Bianchi)

Família Alcântara (Daniel e Lilian Solá Santiago)

Curtas-metragens

Sexto e Claustro (Claudia Priscila Andrade)

Aquele Cara (Rafael dos Santos Coutinho)

Yansan (Carlos Eduardo Nogueira)

Dês – Ruínas em Falésia (Carlos Adriano Jerônimo)

Icarus (Vitor Hugo Maciel)

Memórias Sentimentais de um Editor de Passos (Daniela Arruda Turini)

São Carlos 1968 – Matizes de uma Luta (João Carlos Maassarolo)

Aranhas Tropicais (André Augusto Francioli Conceição)

Encanto (Leandro Todashi Duarte)

Homem Invisível (Andréa Vianna Velloso)


SECRETÁRIA VAI PROPOR LEI DE INCENTIVO ESTADUAL

Por enquanto, projetos culturais do Estado dependem das leis federais e municipal

Patrícia Villalba

A secretária de Cultura, Claudia Costin, admitiu em entrevista ao Estado a extrema necessidade de se reativar a lei de incentivo à cultura estadual. Adiantou, inclusive, que já tem uma proposta de lei, que será levada ao governador Geraldo Alckmin. Mas não quis dar detalhes sobre como seria este instrumento de fomento – o que sempre se dá por meio de renúncia fiscal. ‘Não só está nos planos da secretaria a volta da lei estadual de incentivo, como já estamos batalhando por ela’, declarou a secretaria. ‘Eu agora estou mandando formalmente para o governador, depois de discutir com a área econômica, uma proposta de uma lei de incentivo. Mas antes de dar detalhes, deixe-me conversar com o governador primeiro.’

O Estado de São Paulo já teve a sua lei de incentivo à cultura. Criada depois de um longo caminho de discussões, ela foi regulamentada no último mês da gestão de Luiz Antônio Fleury Filho. Era baseada na renúncia de ICMS, e chegou a prever o repasse de R$ 60 milhões para a área cultural.

O sucessor de Fleury, Mário Covas, não quis aplicar a lei. Alegou que ela tinha imprecisões jurídicas e que não havia recursos suficientes no orçamento. Preferiu, então, reeditá-la – dispensando o mecanismo da renúncia fiscal. Conversa vai, conversa vem, o Estado de São Paulo está sem lei de incentivo à cultura há seis anos.

Desta forma, boa parte do que é feito na área de cultura em espaços do Estado é tocado em parceria com a iniciativa privada por meio das leis estadual e municipal de incentivo. Este fato, inclusive, foi grande motivo de reclamações do ex-secretário municipal de Cultura, Celso Frateschi. Ele tentou, em vão, mudar a lei municipal, para dar prioridade a projetos da Prefeitura.

No ano passado, por exemplo, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo foi uma das grandes contempladas pela Lei Rouanet em São Paulo. A Osesp recebeu o aval do Ministério da Cultura para captar mais de R$ 5 milhões para a temporada de 2005 de concertos, além da aquisição de dois pianos Steinway. O Museu da Casa Brasileira poderá buscar patrocínio de R$ 682 milhões para a montagem de seis exposições durante este ano. Entre outros, está ainda o projeto Guri e a restauração da Escola Estadual Rodrigues Alves (R$ 2 milhões.)

PARCERIA

Claudia Costin reconhece que a ajuda da União é imprescindível para a cultura paulista, mas ressalta que o governo do Estado faz a sua parte. ‘O Ministério da Cultura tem sido um grande parceiro, não só das iniciativas relacionadas ao cinema, mas um grande parceiro da cultura no Estado’, afirma. ‘No caso específico do cinema, todos os recursos do Programa de Fomento ao Cinema Paulista são advindos da Lei do Audiovisual e da Lei Rouanet, que são federais.’

No caso da Osesp e do Museu da Casa Brasileira, por exemplo, a secretária responde que o Estado tem aplicado dinheiro suficiente. ‘Nós temos recursos de orçamento e não são poucos’, diz. ‘A Osesp recebe do governo R$ 18 milhões de orçamento e tem mais cerca de R$ 5 milhões advindos de leis federais de incentivo. O Museu é a mesma coisa: vem dinheiro do orçamento e não muito dinheiro das leis de incentivo. Tem sido freqüentes as parcerias público-privadas, na maior parte dos museus. Não só no Estado de São Paulo, mas mundialmente. Muitas vezes, isso é feito com leis de incentivo e outras, sem lei de incentivo. Agora, por exemplo, a Sony está apoiando a Casa das Rosas e sem incentivo.’