Cientistas buscam remédios no mar

O Estado de S. Paulo - Segunda-feira, 2 de maio de 2005

seg, 02/05/2005 - 9h53 | Do Portal do Governo

Pesquisas com a biodiversidade marinha ganham força na procura de moléculas com aplicação farmacológica e industrial

Herton Escobar

Não é só das florestas que pode sair a cura de doenças. No que diz respeito à produção de moléculas ativas, os seres marinhos não ficam nada atrás da biodiversidade terrestre, apesar de não ter o mesmo apelo popular de uma mata verdejante ou de seus sapinhos coloridos. Um estudo com 350 espécies do litoral paulista já revelou pelo menos três substâncias com atividade farmacológica contra tuberculose, leishmaniose e candidíase. A pesquisa ainda está longe de colocar algum medicamento nas prateleiras, mas, segundo os pesquisadores, já dá uma idéia do potencial da biodiversidade marinha do País.

O projeto trabalha especificamente com esponjas, ascídias, briozoários e octocorais – animais invertebrados de aparência pouco convencional, que vivem presos às rochas e são abundantes por todo o litoral. A pesquisa consiste em obter o extrato químico desses organismos e testá-los sobre uma série de alvos de interesse, como células cancerígenas, parasitas e bactérias relacionadas a infecção hospitalar.

Os organismos marinhos já deram provas de sua eficiência, contribuindo para o desenvolvimento de vários medicamentos. Entre eles, o mais famoso é o AZT, medicamento contra a aids, que possui em sua fórmula duas substâncias de uma esponja jamaicana. Com 8 mil quilômetros de costa e aproximadamente 500 espécies somente de esponjas, o Brasil tem muito o que pesquisar.

Dentre os extratos das 350 espécies avaliadas, entre 10% e 20% apresentaram algum tipo de atividade, segundo o pesquisador Roberto Berlinck, do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo. ‘Desses, tivemos de escolher alguns para estudar mais a fundo.’ Uma das substâncias mais promissoras até agora, para qual já foi solicitada patente, foi isolada da esponja Aplysina cauliformis e demonstrou ação contra a Mycobacterium tuberculosis, a bactéria da tuberculose.

Já uma substância da ascídia Clavelina oblonga apresentou atividade antifúngica contra a candidíase, uma infecção genital muito freqüente nas mulheres. ‘A ação é tão boa quanto a dos produtos usados comercialmente’, afirma Berlinck. ‘Mas não pedimos patente porque a estrutura química não justificava – há substâncias parecidas no mercado.’ Outra substância interessante foi isolada da esponja Petromica ciocalyptoides, eficiente na inibição de uma enzima produzida pelo parasita da leishmaniose. ‘É uma molécula já conhecida, mas estamos estudando para ver se vale a pena investir mais para conhecer seu mecanismo de ação’, explica Berlinck, coordenador do trabalho.

O projeto, chamado Produtos Naturais de Invertebrados Marinhos, envolve seis instituições e é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Vários outros extratos ainda estão sendo analisados. ‘O potencial é enorme’, avalia Berlinck. Até que algum possa virar produto, entretanto, há um longo caminho, que pode levar até dez anos. De cada 10 mil extratos que são testados em seres humanos – o que já é difícil -, apenas 1 chega ao mercado. ‘Via de regra, é no teste com seres humanos que a coisa dança’, reconhece Berlinck. ‘Mas às vezes você pode dar a sorte grande.’

Laboratórios em outros Estados também estão acordando para o potencial tecnológico da biodiversidade marinha. No vizinho Rio, a Faperj e o governo do Estado também estão financiando projetos nessa área.