Chalita quer mudar Estatuto da Criança

Jornal da Tarde - 27/8/2003

qui, 28/08/2003 - 10h24 | Do Portal do Governo

Por José Maria dos Santos


Jornal da Tarde – São Paulo – Quarta-feira, 27 de agosto de 2003

A proposta, ousada, não assusta o secretário estadual da Educação. Gabriel Chalita, de 33 anos, acredita que certos tópicos do Estatuto da Criança e do Adolescente mais prejudicam do que ajudam na recuperação do menor infrator. As rebeliões da Febem são uma mostra do problema.

O secretário estadual da Educação, Gabriel Chalita, de 33 anos, está preparando uma proposta ousada: modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ele diz que, na prática, certos tópicos do estatuto mais prejudicam do que ajudam na recuperação do menor infrator e que chegou a essa conclusão a partir da sua experiência com os chamados internos perigosos da Febem. Como se sabe, a Febem, hoje, pertence à Secretaria da Educação. A instituição possui 69 unidades distribuídas pelo Estado, 6.441 menores infratores internados e 12.558 em regime de liberdade assistida. ‘Nós temos apenas cerca de 160 internos mais complicados que estão na unidade 31 de Franco da Rocha, mas que, infelizmente, acabam dando a fama negativa a toda a instituição’, diz o secretário.

Jornal da Tarde – O sr. está se mobilizando para propor modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. Por quê?

Gabriel Chalita – O Estatuto é bom. Mas tornou-se sagrado e deve ser dessacralizado em certos tópicos que interferem na recuperação de menores infratores. O primeiro deles que destacaria é que não propõe penas. Um adulto, se pratica um crime, sabe quanto tempo ficará na prisão. O adolescente não, pois recebe medida socioeducativa, não uma pena. Na prática, isso gera enorme insegurança que acaba prejudicando um bom relacionamento com monitores, com a Justiça etc. No meu entender, estabelecer prazo é uma questão de dar dignidade e de melhorar sua ansiedade na unidade.

Essa falta de prazo fomenta rebeliões e violência nas unidades?

É um fomentador, principalmente em unidades complicadas como a de Franco da Rocha. A ansiedade torna o adolescente, que já tem carências variadas, vulnerável a qualquer situação. Por exemplo. Havia funcionários despreparados e que foram afastados, que provocavam os internos. Diziam ‘daqui vocês vão para o manicômio’ e frases parecidas. Isso é um atalho para ódios e revoltas. De modo que esperar o laudo que determinará sua liberdade ou a continuação da medida socioeducativa a cada período de avaliação, torna-se uma tortura. É como esperar o resultado de uma doença problemática. Não se sabe o que vai dar.

O senhor falou num primeiro tópico. Qual seria o segundo?

Um interno com mais de 18 anos que cometa um crime dentro da Febem deve ser julgado como se estivesse na rua. Não pode ter privilégios. Se mata alguém, por exemplo, deve ir para o sistema penitenciário para ter consciência de que a Febem não é um espaço de impunidade. Isso deve ficar claro no ECA, o que não ocorre. No meu entender, trata-se inclusive de um ponto de vista pedagógico.

O senhor também tem se referido freqüentemente à falta de responsabilidade das prefeituras na recuperação de menores. O que ocorre?

Está escrito no estatuto que o Estado é responsável pelos adolescentes infratores em meio fechado e que as políticas de assistência social cabem aos municípios. A maioria dos prefeitos não cumpre essa determinação. Vamos tomar um exemplo para esclarecer melhor. Um juiz tem três caminhos a dar para um menor infrator: prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida ou internamento. Suponhamos que o juiz de uma cidade do interior coloque o menor sob liberdade assistida. Se o município não tiver um programa desse tipo, o juiz vai interná-lo, com todas as conseqüências decorrentes. É preciso ficar claro que o meio aberto compete ao município. Inclusive aqui em São Paulo, onde a liberdade assistida também não avança. A propósito, a Secretaria da Assistência Social Municipal nos mandou um projeto com o qual assumiria a responsabilidade. Mas quer que o Estado banque tudo.

Secretário, é verdade que o senhor encontra resistência de prefeituras do Estado para obter terrenos destinados a novas unidades da Febem?

Sim. Recentemente eu disse à prefeita de Campinas: ‘Não é possível que uma cidade que interna 200 adolescentes não queira uma unidade da Febem’. A Câmara de Santo André aprovou lei proibindo a construção de unidades nas áreas residenciais, mistas e de mananciais. Ou seja: proibiu em tudo.

Freqüentemente surge a notícia de que as UAIs (unidade de atendimento inicial) estão lotadas. Pois estão lotadas porque os jovens de Santo André, Diadema, Mauá, Guarulhos etc. estão lá. Convém lembrar que o prefeito de Guarulhos (Elói Pietá-PT) foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa.

E a Febem não pode comprar terreno e construir?

Pode. Mas o processo é muito demorado. Temos feito. Mas o ideal é que a Prefeitura se engaje na solução do problema.

O senhor tem tido dificuldade com setores dos Direitos Humanos que atuam junto à Febem?

Na prática, essas pessoas nada fazem. Só têm discurso. Quando convocamos essas comissões para participar de algo importante, como a desativação de Franco da Rocha, recusam-se a participar. Pergunte-se se alguma vez, alguma dessas entidades conseguiu emprego para algum egresso da Febem? Só querem ver o circo pegar fogo.

Seria uma postura política?

Eu diria que é político-partidária. Veja que as maiores dificuldades são com prefeituras petistas, à exceção de Ribeirão Preto. O fato é que a omissão das prefeituras relega o menor infrator a uma espécie de degredo. Por exemplo: um adolescente de Campinas vem para São Paulo. Ao fim da internação, volta para Campinas. Nesse tempo não teve visitas porque a família não tinha recursos para viajar ou porque tem outros filhos necessitados etc. Isto é muito grave, pois diferentemente do sistema penitenciário, a recuperação do adolescente está ligada à presença da família, dos pais.

Por que entidades como a Associação das Mães da Febem ou a Vara da Infância e Juventude não se mobilizam para corrigir problemas desse tipo?

É o que eu gostaria de saber. Tenho transmitido essa preocupação aos promotores. Já pedi ajuda várias vezes e inutilmente à Associação das Mães.

Na verdade, percebi que o movimento tem apenas 10 ou 12 mães reunidas, quando a Febem envolve cerca de seis mil famílias.

O senhor tem tido problemas com o Ministério Público?

Não. O MP tem sido parceiro em todas as unidades do interior. O papel do promotor é fundamental, pois o adolescente confia nele. Por outro lado, o relacionamento com parte de promotores aqui em São Paulo é difícil. No episódio da morte do monitor, a doutora Sueli, da Vara da Infância e Juventude, disse que ele tinha um histórico de maus-tratos e de tortura. Mas ele chegou à Febem em janeiro. Não tinha histórico de nada.

Secretário, a palavra ‘tranca’ tem aparecido com freqüência no noticiário sobre a unidade de Franco da Rocha. O que vem a ser isso?

O Estatuto prevê que o interno fique trancado em caso de infração. Isso se chama sala de recolhimento. É para ele refletir sobre o que fez. No caso da unidade 31 de Franco da Rocha há uma minoria que se recusa a participar das atividades e, ao contrário, pretende inclusive atrapalhá-las. Adotam postura de agressividade e de ameaça contra monitores e outros internos; querem que estes façam exatamente o que desejam. Isto ocorre mesmo depois que todos monitores que tinham qualquer ação contra eles no Ministério Público foram retirados. Nunca a Febem acobertou nada. E queremos crer que os funcionários de hoje têm um perfil muito melhor.

Como o senhor vai encaminhar suas propostas para as modificações no ECA?

É um assunto para ser discutido pelo Congresso Nacional, pois se trata de mudança na Constituição. Nós estamos planejando fazer um encontro em setembro ou outubro reunindo juristas, especialistas em crianças e adolescentes, pessoas de boa vontade que participaram da elaboração do ECA para iniciar a discussão das propostas.