Casa de periferia abrigou telas de R$ 100 mi

O Estado de S.Paulo - Quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

qui, 10/01/2008 - 17h49 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

A casa verde na Rua Antônio Vitorino da Costa, em Ferraz de Vasconcelos, não tem nem número. No bairro, onde a maioria dos vizinhos se conhece, os moradores do imóvel são quase anônimos. Foi lá que a polícia encontrou na noite de anteontem as duas obras roubadas do Masp, avaliadas em cerca de R$ 100 milhões. Até ontem à tarde, ninguém apareceu no local.

As janelas ficaram abertas e as duas portas da frente trancadas com cadeado. Dentro, só um cachorro. A casa é a maior da rua. Quem viveu ali por cerca de 7 anos foi um casal de idosos, a costureira Neide e o marido José Carlos. Ela morreu há 5 meses e ele, em dezembro do ano passado. “Eram pessoas do bem, muito queridas na comunidade”, disse a vizinha Rosária Conceição, de 50 anos. “A dona Neide morreu de pneumonia e parece que o seu Zé morreu de depressão, mas não sabemos direito porque os filhos nem nos avisaram”, disse.

Segundo os vizinhos, os dois filhos do casal herdaram a casa. Na segunda-feira, uma moradora viu um deles chegar com a mulher e as crianças. O fiscal Anderson Maurício, de 30 anos, mora bem ao lado da residência que serviu de cativeiro para as obras de arte. Ele garante que os irmãos se mudaram definitivamente para lá. Outros moradores dizem que eles não viviam ali. “Eram muito fechados”, disse Anderson. “Mas de uma coisa eu tenho certeza: os homens que a polícia prendeu não são os filhos do seu Zé.”

Ontem à tarde, os moradores do bairro, de casas simples, sem reboco, ainda não acreditavam que por algumas semanas estiveram tão perto das obras procuradas internacionalmente. “Se eu soubesse que tava ali,tinha pulado lá dentro pra ganhar uma recompensa”, disse um morador que não quis se identificar. E ele foi um dos poucos do bairro que estiveram perto de saber. O morador conta que, numa noite perto do Natal, acordou com um barulho de um carro e foi na janela espiar. “Vi um homem carregando alguma coisa dentro de uma capa verde. Achei que fosse uma TV de plasma e voltei a dormir.”

Anteontem, foi a vez de os homens do Deic chegarem à rua por volta das 18 horas. “Pouco tempo depois, ouvimos a comemoração. Eles saíram com os quadros gritando: tá na mão! tá na mão!”, disse o operário Rodrigo Pontes, de 24 anos.

Nenhum morador da rua já visitou o Masp. Nem entendem por que aquelas obras valem tanto. “É do Aleijadinho, né?”, disse um senhor. “Não, é da Tarsila do Amaral”, gritou um rapaz. Para não ter erro, resolveram brincar com uma obra conhecida. Pontes desenhou “Monalisa” em folha A4. “A gente também sabe fazer arte.”