Capitu em versão para orquestra

O Estado de S.Paulo - Sexta-feira, 18 de julho de 2008

sex, 18/07/2008 - 10h34 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Entre as funções do compositor-residente do Festival de Inverno de Campos do Jordão, há a criação de uma nova obra dedicada especialmente aos alunos e professores do evento que, reunidos na Orquestra Acadêmica, fazem sua estréia. A responsabilidade, desta vez, caiu sobre o carioca João Guilherme Ripper. Diretor da Sala Cecília Meireles, no Rio, Ripper escolheu como gancho a obra de Machado de Assis, uma vez que o tema deste ano da programação é a relação entre música e literatura. ”É também o ano do centenário de Machado e, olhando sua obra, acabei escolhendo Dom Casmurro como ponto de partida”, diz.

E qual a leitura que ele faz do romance? ”Há muitos níveis de leitura possíveis. É interessante como a cada leitura que fazemos do romance o olhamos de uma outra forma, que tem muito a ver como a nossa sensibilidade e maturidade no momento. Mas acabei optando por um aspecto específico: o olhar da Capitu. Ela é o grande mito literário brasileiro. E passei a reler o livro em busca de trechos que falavam desse olhar, desse mistério.”

Surgia assim Olhos de Capitu, que foi escrita para orquestra, um narrador e uma soprano solista. ”Não quis musicar as palavras de Machado de Assis. Os trechos que escolhi do livro são apresentados pelo narrador (o tenor Fernando Portari) e, no fim, há um poema, de minha autoria, em que imagino o processo de criação do Machado de Assis. Nele, Capitu já nasce fugidia, não se deixando conquistar facilmente, e o escritor se vê às voltas com a dificuldade de encontrá-la por meio da literatura. Esse poema, sim, foi musicado, transformou-se em uma modinha, a ser interpretada pela soprano (Rosana Lamosa).” A regência será do maestro belga Ronald Zollman, que interpreta também o Romeu e Julieta de Prokofiev e a Sinfonia nº 9 de Dmitri Shostakovich.

Ripper explica que a única referência à música da época de Machado de Assis em sua obra é justamente a presença da modinha, ”único aspecto em que me aproximo estilisticamente de seu tempo”. ela, prefiro dedicar esse tempo e energia a uma nova peça. Mas a audição propicia que você revisite seu trabalho e adquira novas ferramentas. Com meus alunos aqui, em Campos, tenho insistido muito na necessidade de limpar a profissão do compositor de um pouco do romantismo que a cerca. Esse é nosso ofício e precisamos trabalhar muito para encontrar ferramentas necessárias para o melhor desempenho. Ao ouvir obras de outros momentos de minha carreira, vejo o que funcionou, o que não funcionou e defino aquilo que preciso trabalhar melhor daqui para frente. Estou com 48 anos e o que sinto é que hoje estou mais amadurecido. Não se trata apenas da experiência humanística com a arte, do crescimento pessoal, mas também de coisas que nada têm a ver com a composição, como o trabalho com administrador de teatros, que reflete também no seu trabalho.”