Capital da acerola

O Estado de S. Paulo

ter, 06/10/2009 - 8h18 | Do Portal do Governo

Pequenina, de um vermelho vivo encantador, a acerola fascina os nutricionistas. Seu elevado teor de vitamina C vence fácil o famoso suco de laranja. Mais interessante, porém, é conhecer a história dos seus fruticultores, lá no interior paulista. Exemplo de empreendedorismo rural. 

Tudo começou em 1990. O município de Junqueirópolis, situado na Nova Alta Paulista, procurava novos caminhos de desenvolvimento, após um período desanimador. Acreditando na força da união, um grupo de 44 pequenos produtores rurais se associou para trabalhar em conjunto. Começava a mudar sua história. 

Boa parte do Oeste Paulista abriu seus territórios à expansão agropecuária após a grande crise do café, ocorrida em 1929-1930. Quebrada a economia exportadora da época e perdida a hegemonia da oligarquia cafeeira, novos atores entravam em cena. As crises econômicas, sempre, ao derrubar alguns, abrem oportunidades a outros. 

Nessa transição da economia paulista, lavouras e pastagens avançaram sobre os cerrados da região central do Estado, tomando Bauru como referência. A mancha de ocupação se expandiu rumo ao Rio Paraná, devastando extensas áreas de florestas nativas, um golpe de misericórdia nas populações indígenas. Os ramais da estrada de ferro emprestaram seu nome às recentes regiões, especialmente a Sorocabana (Presidente Prudente) e a Paulista (Marília).

Nessa época, entre as décadas de 1940 e 1950, o carro-chefe da economia rural era puxado pelo algodão. Ciclo anual, exigente em fertilidade e susceptível às pragas e doenças, aquela cotonicultura baseada em incipiente tecnologia gerava riqueza tanto quanto empobrecia o solo. Vieram as erosões no terreno, criando terríveis voçorocas, assoreando os córregos. 

Nada, porém, segurava o ritmo do progresso. O ramal da Paulista ultrapassou Marília e seguiu rumo a Mato Grosso, o trem servindo como ponta de lança para a exploração daquela paisagem ondulada. Junqueirópolis inaugurou sua estação em 1959, nesse momento já interessado no escoamento da produção dos seus cafezais, cultura que retornou com força após a euforia do algodão. 

Pode-se afirmar que a Nova Alta Paulista prosperou até a década de 1970, basicamente, e desgraçadamente, roubando a fertilidade natural do solo, acumulada por séculos de decomposição orgânica nas intocáveis florestas que ostentava. Seguia, assim, o padrão tradicional da expansão da fronteira agrícola.

Seguiu-se uma lenta tragédia econômica. Crises de mercado somaram-se ao esgotamento dos solos. Geadas e secas terríveis assolaram o campo. Pragas e doenças surgiram nas lavouras. Chegou o êxodo rural, levando milhares de agricultores a deixarem suas terras à procura da esperança. A região perdeu população e se empobreceu. 

Mas do desânimo generalizado se acendeu uma luz. Surgia a Associação Agrícola de Junqueirópolis, agrupada, inicialmente, pelo interesse na venda do maracujá, cultivo bom naqueles dias. Depois, pesquisando alternativas de produção, descobriram-se as vantagens da acerola. Contando com ajuda dos agrônomos da Casa da Agricultura, iniciou-se a nova jornada. O governo estadual contribuiu com tratores e equipamentos. Resultado: em cinco anos o município passou a ser conhecido como a “capital da acerola”. Uma história fantástica. 

A evolução tecnológica dos fruticultores não cessa. Nesta semana, durante as festividades da 11ª Aceruva, a Associação Agrícola de Junqueirópolis recebe, com ajuda do Sebrae, o certificado do GlobalGap, o mais importante selo de qualidade, mundialmente reconhecido, direcionado ao comércio europeu. Boas práticas agrícolas, respeito ao meio ambiente, trabalho valorizado. Mercado garantido. 

As deliciosas acerolas de Junqueirópolis correm o mundo, principalmente destinadas ao Japão e à Europa. Da produção total da fruta, cerca de 60% segue exportada, em polpa congelada, para a fabricação de sorvetes, sucos, cremes e demais guloseimas. Boa parte dos 175 hectares cultivados com acerola no município atende ao mercado interno in natura, incluindo alguns programas, ainda incipientes, de merenda escolar. Na colheita da fruta, durante meses, ocupam-se 500 pessoas. Fartura no emprego rural. 

Fruta recentemente descoberta pelo mercado, a acerola, também conhecida como cereja das Antilhas, surpreende os consumidores em razão do seu elevado teor de vitamina C, que chega a ser cem vezes maior que o encontrado no limão ou na laranja. Para se ter uma ideia, apenas duas frutinhas por dia suprem o organismo humano desse nutriente elementar. Espanta a gripe. 

Se Vasco da Gama, navegador português, soubesse disso, não teria perdido tantos tripulantes em sua viagem à procura da rota marítima para as Índias. O escorbuto, terrível doença resultante da grave deficiência orgânica de vitamina C, causou a morte de milhares de europeus na época dos descobrimentos. Hoje bastaria um copo de suco de acerola para curar o sangramento nos porões dos navios.

Histórias de sucesso dependem de pessoas. A trajetória bem-sucedida da Associação Agrícola de Junqueirópolis não vingaria sem o idealismo do seu líder, o agricultor Oswaldo Dias. Quieto, como bom caboclo, curioso, como gente inteligente, ele persistiu até convencer os seus pares a fugirem da descrença, investindo em organização e tecnologia. Hoje, passadas quase duas décadas, ele se orgulha das realizações coletivas, que, agora, aglutinam 67 lutadoras famílias rurais. A atitude proativa devolveu a todos, como diz, “a alegria de ser agricultor”. Autoestima.

O otimista pode errar, mas o pessimista já começa errando. Quem afirmou foi Juscelino Kubitschek.

Valeu para os agricultores de Junqueirópolis.

Xico Graziano é secretário do Meio Ambiente