Butantan se arma contra gripe do frango

Folha de S. Paulo - Terça-feira, 23 de novembro de 2004

ter, 23/11/2004 - 9h48 | Do Portal do Governo

Instituto quer construir laboratório para desenvolver vacina de forma independente, em caso de pandemia

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Caso surja uma pandemia mundial de gripe do frango, como já temem alguns especialistas, o Instituto Butantan, em São Paulo, deve se converter no quartel-general da resistência brasileira a doença. E o órgão já está se preparando para esse papel.

Até o final do ano, deve ser apresentado ao Ministério da Saúde e à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) um projeto para a compra de biorreatores e a construção de um laboratório P3 (o segundo nível de segurança mais alto) no Butantan para o desenvolvimento de uma técnica de fabricação de vacinas para gripe que possa contra-atacar caso o vírus que hoje vitima as aves acabe por se espalhar pelo mundo e contamine fortemente as populações humanas.

‘Isso em caráter de emergência’, diz Isaías Raw, pesquisador e presidente da Fundação Butantan, ligada ao instituto. ‘Precisamos ter essa tecnologia. Se a coisa se complicar, não vamos poder contar com os estrangeiros para a produção de nossas vacinas.’

A idéia é desenvolver um método mais moderno para a produção de vacinas antigripais, meta que hoje também é perseguida pelas grandes companhias do mundo desenvolvido. O único método aplicado hoje em dia para a fabricação das vacinas de gripe utiliza justamente ovos de galinha, em que várias cepas do vírus alteradas para não causar a doença são injetadas e cultivadas.

Contaminações

A tecnologia é segura, segundo Raw, embora algumas empresas tenham tido dificuldades em manter suas fábricas em funcionamento. Uma contaminação numa fábrica da Chiron Corporation, no Reino Unido, levou à interrupção da produção e a uma escassez de vacina, sentida especialmente nos EUA.

Em 5 de outubro, autoridades de saúde britânicas suspenderam a licença de produção de vacina da Chiron e a empresa anunciou que não despacharia rumo aos EUA cerca de 50 milhões de doses encomendadas, metade do suprimento total daquele país.

A Chiron não foi a única empresa a ter problemas com suas fábricas de vacinas. Segundo a revista on-line americana ‘The Scientist’ (www.the-scientist.com), a FDA (agência que regula fármacos e alimentos nos EUA), desde 2000, já advertiu pelo menos três fabricantes de vacinas antigripais de que suas instalações de produção estavam descumprindo exigências federais.

O Butantan fechou um acordo de licenciamento da tecnologia de cultivo de vacinas em ovos usado pela farmacêutica francesa Aventis para a construção de uma fábrica nacional, que deve entrar em operação em um ano.

O investimento, de cerca de US$ 50 milhões, foi dividido entre a União e o governo de São Paulo. ‘Esperamos suprir toda a demanda nacional em dois anos, e então poderemos até fornecer para o hemisfério Norte’, diz Raw.

Hoje, tanto a Chiron como a Aventis investem em pesquisa para desenvolver alternativas ao cultivo da vacina em ovos de galinha, mas nenhuma empresa chegou a resultados que permitissem aplicação comercial. De acordo com Raw, a principal motivação para o desenvolvimento dessas técnicas é o medo da gripe do frango.

Da Ásia para o mundo

A doença surgiu em dezembro do ano passado, o que obrigou os produtores asiáticos a sacrifícios em massa em seus aviários. Entre o final de 2003 e setembro deste ano, 29 pessoas morreram em contato com aves contaminadas. No Brasil, não houve casos da doença, mas há o temor de que isso possa se converter numa pandemia de escala global.

‘Acabo de voltar de uma conferência e é a terceira seguida em que os especialistas manifestam essa preocupação, de que surja uma pandemia de gripe do frango’, afirma Raw. O maior medo é o de que a técnica dos ovos não possa fornecer vacinas contra ela, no caso de necessidade. ‘Como ela provoca a morte das aves, achamos que ela pode matar os embriões nos ovos também. Então é preciso uma alternativa.’

A principal tecnologia em desenvolvimento hoje prevê a produção da vacina a partir de culturas de células em laboratório. Alguns resultados promissores foram obtidos no exterior, mas Raw argumenta que o Brasil não poderá contar com a evolução da tecnologia lá para ter suas vacinas, no caso de uma epidemia de gripe do frango. ‘Já há falta de vacinas hoje em dia, imagine se as produções com ovos não servirem mais. Eles vão obviamente priorizar seu próprio mercado antes de vender doses para nós’, diz.