Butantã testa vacina contra papilomatose

O Estado de S. Paulo

qua, 02/09/2009 - 7h56 | Do Portal do Governo

Testes clínicos contra a doença bovina já são 90% do desenvolvimento de um medicamento eficaz

Começaram na semana passada os testes clínicos da primeira vacina contra papilomatose bovina (doença conhecida como verrugose ou figueira), em desenvolvimento pelo Laboratório de Genética do Instituto Butantã, em conjunto com o Laboratório de Imunopatologia Keizo Akami, as Universidades Federais de Pernambuco, Sergipe e Ceará, além da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP e a Universidade de Glasgow, na Escócia.

Os testes estão sendo realizados em cerca de 50 bezerros, no Instituto de Zootecnia de Nova Odessa (IZ-Apta). Segundo a pesquisadora dra. Rita de Cassia Stocco, do Laboratório de Genética do Instituto, “os testes clínicos já representam 90% do desenvolvimento da vacina”. Até agora, o pecuarista tenta driblar o problema com medicamentos tópicos e outras soluções e crendices de eficácia duvidosa (Veja no quadro ao lado). A vacina será a primeira a ser lançada no País e, em condições de teste a campo, a primeira no mundo. Dra. Rita calcula que, após a etapa de testes, em um ano e meio deverá haver resultados confiáveis sobre a eficácia.

A vacina deverá imunizar o animal contra pelo menos três tipos de vírus da papilomatose bovina – de um total de 10 bem caracterizados -, os tipos 1, 2 e 4, “que estão presentes em todo o rebanho, são os mais agressivos e associados ao surgimento de câncer nos animais infectados”, diz. “Até hoje, em 20 anos de pesquisa, não encontrei animal infectado que não tivesse pelo menos um desses três tipos”, diz.

Anos de pesquisa 

A vacina é pesquisada há seis anos pelo Instituto, mas estudos sobre a doença em si e suas implicações já ocorrem desde 1988, por iniciativa do professor-doutor Willy Beçak, coordenador geral do projeto. 

Conforme explica dra. Rita, a vacina está sendo feita a partir de proteínas do próprio vírus da papilomatose. “Nós conseguimos isolar regiões do genoma do vírus que são praticamente idênticas entre todos os tipos virais”, diz. A partir daí, esses vírus foram clonados para que se produzisse um “vetor genético”, ou seja, “um segmento de DNA onde estão inseridas sequências dos genes dos vírus”.

Foi dessas sequências que se obtiveram, em laboratório, as proteínas purificadas em quantidade suficiente para a vacina. “Aplicadas no animal, essas proteínas farão com que ele crie anticorpos”, diz.

As pesquisas no desenvolvimento da vacina deram um salto após a aprovação de um projeto de âmbito nacional, sob a coordenação do prof. Beçak. “Este projeto trouxe para as pesquisas uma verba substancial, via CNPq/Programa Renorbio, e a associação com as universidades do Nordeste”, conta a dra. Rita. “Além de verbas aprovadas pela Fapesp, no âmbito do governo estadual.” Tais recursos permitiram, além do investimento em equipamentos e insumos, a formação de uma boa equipe. “O programa já reuniu cerca de 80 profissionais.”

Testada e aprovada a vacina, porém – e dra. Rita acredita que os testes comprovarão a eficácia do produto na imunização dos animais -, a pesquisadora alerta que este tipo de prevenção, isoladamente, não será suficiente para controlar a doença, que atinge, segundo estima o Laboratório de Genética, 60% do rebanho nacional, ou seja, cerca de 103 milhões de cabeças, de um total de 173 milhões, em números da consultoria AgraFNP.

“Não é a vacina que resolverá as muitas vezes inadequadas condições sanitárias de boa parte do rebanho”, diz ela, embora alerte que seria importante também os órgãos oficiais incluírem a papilomatose bovina entre as doenças de notificação obrigatória. “Aí teríamos mais fundamentos para o seu controle.”

Pecuaristas tentam de tudo contra a doença

À espera de um tratamento eficaz contra papilomatose, pecuaristas tentam debelar a doença de inúmeras maneiras. Em São José dos Campos (SP), a produtora de leite Maria Tereza Corrá conta que teve problema sério com a doença há três anos. De um rebanho de 60 animais, 70% estavam contaminados. “Tentei de tudo”, diz. Na época, usou dois medicamentos injetáveis e três produtos de uso tópico – um gel, uma pasta e um ácido.

Não satisfeita com o resultado, foi para a autovacina (veja quadro na pág. ao lado). “Funcionou em alguns animais.” Em suas buscas, descobriu, na internet, um método curioso, que, segundo ela, deu certo. O tratamento, empírico, consiste em pôr no animal infectado um fio de cobre, como um brinco. “Passa-se o fio na tábua do pescoço e torcem-se as pontas”, explica. “Sei que não há comprovação científica, mas nos bezerros de até 1 ano deu certo. Alguns dizem que o cobre, um corpo estranho, estimula o sistema imunológico.”

Hoje, a doença está sob controle. De 100 vacas, apenas 4 têm verrugas e são mantidas separadas, para evitar contaminação, já que a transmissão se dá por contato. Ela acredita, também, que conseguiu controlar a papilomatose com a melhora do manejo do rebanho. “Além de adotar medidas simples de higiene, como usar agulhas descartáveis, fornecer uma boa nutrição fortalece o sistema imunológico, tanto que a incidência de verrugas é pequena.”

Com 40 animais, sendo 12 vacas em lactação, o produtor de leite José Lotúmolo Júnior, de São Carlos (SP), arrepende-se de ter adquirido uma bezerra contaminada, há três anos. “Na época, produtores comentavam que mudando o animal de pasto a doença sumia.” O problema não só não foi resolvido, como se disseminou em metade do rebanho, o que o obrigou a descartar animais. Para controlar a doença, o produtor cauterizou as verrugas. “A verruga some, mas o vírus permanece.”

Depois, a hemoterapia, que consiste em retirar sangue do animal doente e reinjetá-lo no músculo do próprio animal. “Deu certo e curou 80% dos animais. Fiz, por quatro a seis semanas, uma aplicação de sangue por animal”, diz. “É um tratamento barato, pois só se gasta com agulhas e seringas. Hoje, só uma vaca tem sintomas.”

Problema se manifesta em todo o corpo do animal

Para o professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Eduardo Harry Birgel Júnior, não é possível estimar, com precisão, o impacto econômico da papilomatose no rebanho brasileiro. “Se as verrugas forem em pequena quantidade e isso não afetar o produtor, o problema não é considerado prioritário e o custo de tratamento não compensa. A doença só é tratada se provoca quebra na produção de leite ou de carne”, diz o professor. “Estima-se que de 25% a 50% dos rebanhos estejam infectados”, calcula ele, embora o Laboratório de Genética do Instituto Butantã dê conta de que essa contaminação chegue a 60% do rebanho.

As formas clínicas da papilomatose, explica Birgel Jr., são classificadas conforme o aspecto das lesões. A forma fungiforme é observada com mais frequência em bezerros ou bovinos jovens e acomete, principalmente, a região da cabeça, pescoço e barbela. “Este tipo de papiloma é facilmente arrancado, mas provoca sangramento do local.” A forma filiforme, espalhada pelo corpo do animal, afeta pernas, abdômen e úbere. “Esta forma clínica é mais comum em animais adultos”, diz. Já a forma plana acomete o úbere normalmente de animais adultos.

Segundo Birgel Jr., por enquanto, não há nenhum tratamento efetivo. “Há drogas, pasta cáustica, autovacina, além de tratamentos que surgiram empiricamente”, diz. “O que é certo é que quando existem muitos tratamentos para um só problema significa que nenhum funciona 100%.” A falta de padronização de tratamentos é atribuída pelo professor ao fato de a papilomatose ser uma doença autolimitante. “Num intervalo de 1 a 12 meses, há a queda natural dos papilomas.” Em casos de contaminação, a recomendação do Departamento de Clínica Médica da FMVZ-USP é isolar o animal e associar o arrancamento dos papilomas à autovacina. A autovacina é feita, grosso modo, com o papiloma triturado, filtrado e posto em solução contendo formol e antibiótico. Depois, é reinjetada no animal doente. “O arrancamento acaba com o aspecto horripilante do animal e evita sua depreciação.”

Informações: I. Butantã, tel. (0–11) 3726-7222, r. 2181