Butantã estuda nova vacina contra pneumonia que vai custar US$ 0,10

O Estado de S.Paulo - Segunda-feira, 12 de março de 2007

seg, 12/03/2007 - 12h10 | Do Portal do Governo

De O Estado de S.Paulo

O Instituto Butantã está trabalhando no desenvolvimento de uma vacina que, se der certo, poderá prevenir uma doença que hoje mata mais de 1 milhão de crianças no mundo por ano – a pneumonia – por US$ 0,10 a dose.

A moléstia provocada pelo Streptococcus pneumoniae (mais conhecido simplesmente como pneumococo) já conta hoje com uma vacina norte-americana que é importada pelo Brasil, mas seu preço proibitivo (cerca de US$ 60, a dose) impede a disseminação em larga escala.

O sistema público de saúde brasileiro só fornece a vacina para pessoas com alto risco de contaminação, como profissionais que trabalham com doentes, e em casos de pneumonia recorrente. Mas todo o resto da população só é imunizada se puder desembolsar o dinheiro para bancar as três ou quatro doses necessárias.

Além disso, a vacina americana não é de todo eficiente em terras nacionais. Se lá ela cobre cerca de 85% dos casos, aqui mal passa dos 50%. Isso porque o pneumococo tem pelo menos 23 variedades. O produto feito no EUA leva em conta as sete cepas mais comuns no país. Mas elas não batem necessariamente com as mais abrangentes aqui. Outros laboratórios estão desenvolvendo alternativas com 11 e até com 13 cepas. No entanto, quanto mais componentes uma vacina tem, mais cara ela tende a ficar.

PARA TODOS

A principal aposta do Butantã é trabalhar com uma tecnologia que em teoria pode combater todos os casos da doença. Ao contrário da fórmula americana, que usa como matéria-prima a cápsula de polissacarídeo que envolve a bactéria, o produto nacional conta com uma bactéria inteira, inativa, que não é envolvida por essa cápsula.

O polissacarídeo é o componente mais imunogênico do micróbio, ou seja, o que mais dispara a resposta imunológica. Por isso uma vacina com ele é altamente eficaz. Entretanto, esta é a parte que mais sofre variação entre as cepas. O que leva à necessidade de que a vacina, para ser abrangente, tenha de ter múltiplos tipos. Seu efeito é comprovado nas populações que têm as cepas específicas, mas além de ser cara, a vacina não serve para todos os lugares.

De acordo com Luciana Cezar de Cerqueira Leite, que lidera as pesquisas no instituto paulista, o miolo do micróbio é praticamente igual entre todas as linhagens do pneumococo. “Às vezes existe variação entre uma proteína ou outra, mas, em teoria, uma vacina assim serviria para o mundo inteiro. E por usar uma abordagem bem mais simples, custaria apenas US$ 0,10.”

Essa pesquisa está sendo feita em convênio com o Hospital de Crianças da Universidade Harvard e tem como meta estar pronta até o final de 2008 para ir a testes clínicos com humanos. Em camundongos os pesquisadores obtiveram 100% de resposta positiva.

Em outra frente, o Butantã trabalha com a idéia de juntar os polissacarídeos das três variedades mais comuns no Brasil, que respondem por cerca de 45% dos casos, com proteínas da bactéria, uma parte que sofre pouca variação entre as cepas. A expectativa é de que o modelo conjugado cubra de 85% a 90% dos casos. “Estamos considerando também essa linha porque ela já é consagrada. Mas o custo seria um pouco mais alto, chegando a até US$ 2. Talvez o SUS até tenha condições de bancá-la, mas países africanos não. A outra vacina tem um interesse geral”, explica Luciana.

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

Para descobrir quais são as cepas mais freqüentes no Brasil, o Butantã conta com a ajuda de três centros epidemiológicos que investigam as bactérias presentes nos doentes do País.

O mais recente aliado nessa busca é o Instituto Evandro Chagas (IEC), de Belém, que começou em outubro do ano passado a coletar amostras de crianças em 20 hospitais, clínicas e postos de saúde da capital para identificar doenças causadas pelo pneumococo. Quando surge um caso suspeito de pneumonia, e a criança com idade entre 1 mês e 3 anos apresenta febre igual ou superior a 39°C, os pediatras são aconselhados pelos pesquisadores a solicitar exames de sangue, raio X de tórax e proteína C reativa.

No laboratório do IEC, as amostras são cultivadas para identificar possíveis bactérias. Os tubos onde as amostras são guardadas passam por verificação diária, até mesmo durante a noite. Se uma bactéria é descoberta, o isolamento é feito imediatamente. “Não podemos perder tempo, porque é uma bactéria que se autodestrói”, explica o bacteriologista Francisco Luzio de Paula Ramos.

O conhecimento do perfil epidemiológico dos casos brasileiros possibilita a montagem de estratégias de combate e controle da pneumonia. O pneumococo é uma bactéria cada vez mais resistente ao tratamento com antibióticos, como a penicilina, o que tem levado ao aumento da taxa de mortalidade infantil no mundo.