Brecheret, do Araçá para a Pinacoteca

O Estado de São Paulo - Terça-feira, dia 26 de setembro de 2006

ter, 26/09/2006 - 10h48 | Do Portal do Governo

Acordo vai permitir conservar melhor a escultura Musa Impassível, financiada pelo presidente Washington Luís

Valéria França

Um pouco esquecida pelos paulistanos, a Musa Impassível, de Victor Brecheret, vai mudar de endereço. Esculpida em mármore de Carrara, a figura de uma mulher imponente, com 2,80 metros de altura e 3 toneladas, guarda o túmulo da poeta Francisca Júlia da Silva, uma das precursoras da literatura feminina no Brasil. A escultura está no Cemitério do Araçá, no Pacaembu, desde 1925. É uma das 80 obras catalogadas do Araçá, espalhadas entre túmulos e mausoléus antigos. A musa deverá integrar o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo até o fim de outubro.

A transferência da musa faz parte de um termo de cooperação assinado entre governo do Estado, Prefeitura, Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) e a organização social Amigos da Pinacoteca. Ao recolher a obra, as entidades pretendem recuperar e, principalmente, preservar o trabalho de um dos mais importantes escultores brasileiros. ‘Trata-se de uma escultura importante que precisa ser resgatada’, explica Raul do Valle, diretor da Emurb, responsável pelo transporte da peça para a Pinacoteca.

O mármore é um dos materiais mais frágeis à ação do tempo, principalmente se comparado com o granito e o bronze. Não bastasse o sol e o vento, a chuva ácida provocada pela poluição do ar na cidade de São Paulo é agressiva para a peça.

O dióxido de carbono liberado pelos carros, em contato com a água, transforma-se em ácido nítrico, substância extremamente corrosiva. ‘Chuva ácida sobre uma estátua de mármore derrete suas definições. No caso da musa, seus traços de expressão’, disse o antiquário Fernando Motta, dono de uma loja nos Jardins.

Na Pinacoteca, será feito um molde da estátua, provavelmente de silicone, para sua reprodução em bronze. A cópia ocupará o lugar da peça original, no túmulo da poeta. Depois, passará por um processo de restauração. ‘A musa está suja e danificada’, disse a historiadora Marcia Camargo, que coordena o Centro de Documentação e Memória da Pinacoteca.

Há 15 anos, a filha do escultor, Sandra Brecheret, reconheceu por acaso a obra do pai, durante uma ida ao cemitério. Ao pesquisar, descobriu que a Musa Impassível foi encomendada por José Freitas Valle, um dos fundadores da Pinacoteca. Um mês depois da morte da Francisca, em 31 de dezembro de 1920, ele conseguiu autorização do então governador Washington Luís para construir o monumento em homenagem à poeta.

Analisando cartas trocadas entre Valle e Washington Luís, Sandra descobriu que foi o próprio presidente quem pagou Brecheret para fazer a estátua, num encontro em Paris. ‘A informação de que a musa pertence de fato ao Estado facilitou seu processo de integração ao acervo’, conta Sandra.

ROTEIROS

No Araçá, a Musa Impassível fica escondida do público. No Brasil, há roteiros turísticos pelos cemitérios, incluindo o Araçá, que abriga túmulos importantes, como os de Assis Chateaubriand e Cacilda Becker. Mas nada que se compare às visitas ao Père-Lachaise, o maior cemitério de Paris e um dos mais famosos do mundo, por onde passam milhões de turistas.

No Araçá, ainda há o problema da segurança. No ano passado, houve seis casos de ataques a sepulturas por mês. Quem passa por lá vê túmulos quebrados e devassados. ‘Na Pinacoteca, a Musa Impassível será tratada como merece, como uma obra de arte’, diz o arquiteto e urbanista Paulo Bastos. ‘E o público terá mais acesso à escultura do que antes.’