Brasileiros descobrem ‘reservatório’ de células-tronco em cordão umbilical

O Estado de S.Paulo - Quinta-feira, 25 de outubro de 2007

qui, 25/10/2007 - 11h23 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Cientistas brasileiros descobriram uma nova fonte de células-tronco do cordão umbilical humano que poderá alterar a maneira como esse material é tratado nas salas de parto dos hospitais. Muitos serviços já oferecem o congelamento do sangue do cordão, que contém células-tronco hematopoéticas (precursoras das células sanguíneas) e pode ser usado em transplantes de medula para o tratamento de doenças como a leucemia. O cordão umbilical em si é jogado fora. A nova pesquisa, porém, mostra que ele está repleto de células-tronco de outro tipo, chamado mesenquimal, também com grande potencial terapêutico.

“O recado fundamental é ‘não jogue fora o cordão’”, diz a geneticista Mayana Zatz, que coordenou a pesquisa na Universidade de São Paulo (USP). As células-tronco mesenquimais (CTMs) estão entre as mais versáteis das células-tronco adultas (de origem não embrionária). Podem formar osso, gordura, cartilagem, músculo e até neurônios, segundo alguns trabalhos. Muitos cientistas esperam um dia aproveitar essa plasticidade no tratamento de doenças e lesões – por exemplo, na recuperação de corações enfartados e na reconstrução de tendões e ossos.

As pesquisas, porém, necessitam de uma quantidade grande de células. No organismo adulto, as CTMs são encontradas em vários tecidos, mas principalmente na medula óssea e no tecido adiposo (gordura) – tanto que muito material para estudo é obtido em clínicas de lipoaspiração. As células podem também ser obtidas de pacientes por punção da medula óssea, mas este é um método invasivo e com possíveis complicações.

O cordão umbilical aparece agora como uma opção farta, indolor e de fácil obtenção. Bastam 10 centímetros (o cordão humano tem em média 40 cm) para obter uma grande quantidade de células-tronco mesenquimais, segundo Mariane Secco, primeira autora do trabalho, que fez a pesquisa como parte de seu doutorado no Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.

Os resultados da pesquisa, anunciados ontem, foram publicados na revista Stem Cells, uma das mais prestigiadas da área. Os pesquisadores trabalharam com dez cordões e conseguiram estabelecer linhagens de CTMs a partir de todos eles. Já no caso do sangue de cordão, o rendimento foi muito inferior: das mesmas dez amostras, só uma apresentou células-tronco mesenquimais (o que não invalida seu potencial como fonte de células-tronco hematopoéticas).

Assim como o sangue de cordão é congelado após o parto, afirma Mayana, seria importante guardar também o cordão – ou, mais especificamente, as células-tronco mesenquimais contidas nele. O processo não requer tecnologia avançada e poderia ser praticado em qualquer hospital.

Estudos passados já haviam mostrado a presença de CTMs no tecido do cordão, mas não em número suficiente para justificar o congelamento ou como uma fonte viável para pesquisa. “Estamos falando, literalmente, de aproveitamento de lixo”, afirma Mayana, referindo-se à maneira como o cordão é descartado após o parto. “Estamos jogando fora a fonte mais rica de células-tronco mesenquimais.”

Ela ressalta que ainda são necessárias muitas pesquisas para transformar essas células em ferramentas terapêuticas de fato. O estudo apenas identifica o cordão umbilical como fonte de CTMs. Ainda assim, as perspectivas são grandes. Enquanto as células do sangue podem ser aplicadas apenas no tratamento de doenças sanguíneas, as mesenquimais oferecem um cardápio maior de aplicações. Equipes da USP já estão testando as células em camundongos e cachorros, incluindo vários modelos de distrofias musculares.