Brasileiros decifram genes do esquistossoma

O Estado de S. Paulo - 16/9/2003

ter, 16/09/2003 - 9h33 | Do Portal do Governo

Estudo sobre o verme, que infecta 10 milhões de brasileiros, abre caminho para vacina

Ruth Helena Bellinghini


O Estado de S. Paulo – Terça-feira, 16 de setembro de 2003

Foram dois anos de trabalho envolvendo 37 cientistas de oito centros de pesquisa – dois deles no exterior -, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Tudo por causa de um verme. O resultado é a análise de uma amostra de 92% dos 14 mil genes do Schistosoma mansoni, que está publicada na Nature Genetics online.

O S. mansoni infesta mais de 10 milhões de brasileiros, dos quais 1 milhão vai ter a forma grave da doença e 100 mil vão morrer. Na mesma edição, a revista publica o trabalho de chineses, que analisaram um parente do S. mansoni, o S. japonicum. As várias formas de esquistossoma atingem 200 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria na Ásia, América Latina, Oriente Médio e África.

Orestes – O trabalho brasileiro tem dois diferenciais importantes. O primeiro é o uso da estratégia brasileira Orestes de seqüenciamento (Veja abaixo), que a revista publica pela primeira vez. Além disso, a pesquisa coordenada por Sérgio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, analisou genes expressos nos vários estágios de vida do verme (adultos, ovos, miracídios, cercárias, esquistossômulos e germ balls), enquanto os chineses estudaram apenas os genes ativados nos ovos e vermes adultos.

A estratégia permitiu que os brasileiros identificassem alguns pontos fracos do esquistossoma. ‘Requeremos centenas de patentes, entre elas as de 45 genes que podem ser alvo de novas drogas e dos 28 que podem ser usados no desenvolvimento de vacinas’, explica Verjovski-Almeida. Hoje, existe só uma droga, o praziquantel, para tratamento da doença, mas muitos pacientes se tornam resistentes. O esquistossoma tem muitos genes parálogos, isto é, genes que evoluíram paralelamente com funções similares. Se uma droga bloqueia a ação de um deles, outro pode assumir sua função.

O esquistossoma é um verme simples, que nem órgãos tem, mas dispõe de tecidos especializados. Os adultos utilizam 50% de seus 14 mil genes. ‘Perto de 25% desse total é ativado em todas as fases de vida, porque servem para funções básicas.’ Os demais são acionados nos vários estágios de vida do animal.

Receptores – Do ponto de vista da pesquisa para vacina e medicamentos, o que interessa são aqueles fundamentais na sua adaptação ao organismo humano. ‘As células do esquistossoma, por exemplo, têm receptores para hormônio da tireóide. Quando ele entra no corpo e tem contato com esse hormônio ativa uma série de genes que fazem com que passe de um estágio (cercária) para outro (esquistossômulo)’, explica. Para evitar uma resposta do sistema de defesa do organismo, o esquistossoma provoca uma inflamação, que dribla os glóbulos brancos, sintetizando quatro toxinas já conhecidas do pesquisadores e encontradas em vespas. Para evitar a formação de trombos em torno dos esquistossômulos, eles produzem um anticoagulante semelhante ao de víboras.

‘Quando se faz seqüenciamento em larga escala, abrimos uma janela para compreender um organismo complexo e criamos ferramentas para intervir’, diz o pesquisador. O Instituto Butantã já está trabalhando num projeto piloto para teste de vacinas usando os novos genes identificados no projeto.