Brasileiros acham café quase sem cafeína

Folha de S. Paulo - Quinta-feira, 24 de junho de 2004

qui, 24/06/2004 - 9h52 | Do Portal do Governo

Planta com 6% do teor normal pode levar a bebida ‘light’ sem perda de sabor, diz estudo de Campinas na ‘Nature’

Marcus Vinicius Marinho, free-lance para a Folha

Fernanda Bassette, free-lance para a Folha Campinas

Aquele café descafeinado de gosto estranho está com os dias contados, e os responsáveis por isso são brasileiros. Cientistas da Unicamp e do IAC (Instituto Agronômico de Campinas) acharam uma planta de café com só 6% da cafeína do café normal -e que pode gerar uma bebida sem a perda de sabor ocasionada pela retirada artificial da substância.

As sementes ainda não estão disponíveis, mas a descoberta, publicada na edição de hoje da revista científica britânica ‘Nature’ (www.nature.com), pode se transformar em um produto já nos próximos cinco ou seis anos, dizem os pesquisadores.

A equipe liderada pelo engenheiro agrônomo Paulo Mazzafera, professor do Instituto de Biologia da Unicamp, achou três dessas plantas, da espécie Coffea arabica, a variedade mais consumida e apreciada de café do mundo.

Questão de gosto

‘Nessa espécie, esse é o primeiro relato de plantas sem cafeína’, disse à Folha Mazzafera, 43. ‘Nos processos normais de retirada da cafeína há perda de açúcares e ácidos orgânicos. Essas substâncias são responsáveis pela diferença no gosto do descafeinado’, diz.

A cafeína, embora seja um composto natural sem malefícios comprovados à saúde, está ligada a palpitações no coração, aumento da pressão, ansiedade, tremores, problemas gastrointestinais e insônia. O descafeinado representa cerca de 10% do café consumido no mundo, segundo a Associação Nacional de Café dos EUA.

‘Não tenho necessidade de tomar café sem cafeína, não tenho problema nenhum. Mas há pessoas muito sensíveis a isso’, diz.

Já há no mundo uma versão de planta de café descafeinado transgênica, mas, além da redução no teor da substância ser menor (de 50 a 70%, e não 94%), ela pertence a uma espécie com gosto considerado inferior, a Coffea canephora.

Cientistas têm tentado sem sucesso transferir essa característica da C. canephora para a C. arabica, num processo que, segundo Mazzafera, é cheio de dificuldades na via transgênica. Naturalmente, por meio de cruzamentos entre plantas, levaria ao menos 30 anos.

Já as três plantas do estudo de Campinas, batizadas AC1, AC2 e AC3 (em homenagem a Alcides Carvalho, patrono do centro de pesquisa de café do IAC), poderiam produzir café descafeinado natural muito mais rápido. A única dificuldade estaria ligada à produtividade na escala comercial.

‘As plantas são de um banco de germoplasma [coleção de material vegetal vivo com um catálogo das características genéticas] do IAC e, portanto, nunca foram tratadas ou adubadas como plantas para produção em larga escala.’

Mazzafera vê duas saídas para seu problema: ou tenta aumentar a produtividade por meio de condições do ambiente, como adubo e iluminação, ou, se o ganho não for suficiente, pode tentar a hibridização das plantas com outras altamente produtivas. Para a primeira hipótese, ele prevê um produto em cinco ou seis anos. Para a segunda, cerca de 15.

‘Hoje estimamos a produtividade das plantas em uns 30% de uma planta competitiva. Se a gente chegar a 60%, talvez valha a pena produzi-las sem hibridização.’
Com as plantas isoladas, a equipe poderia também retirar delas os genes e transferi-los a outras, transgênicas. ‘Sem dúvida isso poderia ser feito’, afirma Mazzafera, ‘mas aí se perde o apelo natural, mesmo sendo passado entre plantas de mesma espécie.’

O estudo, que também contou com os pesquisadores do IAC Maria Silvarolla e Luiz Fazuoli, envolveu 3.000 variedades de planta -o banco de germoplasma-, todas com origem na Etiópia. Os cientistas localizaram os três espécimes AC em 2003.

Segundo o estudo, as plantas não produzem cafeína devido a uma falha genética em sua atividade metabólica, que as impede de transformar um intermediário parecido com a cafeína, chamado teobromina, na substância. Assim, as plantas AC têm mais teobromina que as normais. ‘A teobromina tem propriedades diuréticas e pode até ter efeitos similares aos da cafeína, mas absurdamente menores’, diz Mazzafera.