BOM PRATO

Jornal da Tarde - Domingo, 21 de março de 2004

seg, 22/03/2004 - 8h47 | Do Portal do Governo

MARICI CAPITELLI

O preço é o mesmo em todos os restaurantes do Bom Prato: R$ 1.

Mas os usuários de cada uma das unidades são totalmente diferentes. O de Santo Amaro, na Zona Sul, é o point dos motoboys, com suas máquinas barulhentas, capacetes e jaquetas de couro. No outro lado da cidade, em Guaianases, Zona Leste, crianças e adolescentes lotam as mesas. Elas chegam com suas mochilas de escola nas costas ou brinquedos nas mãos.

Na Lapa, Zona Oeste, grande parte dos 186 lugares são ocupados por cabecinhas brancas. É o local de encontro do pessoal com mais de 60 anos.

Eles representam mais da metade dos 1.500 freqüentadores diários do restaurante. Na Liberdade, região Central, almoça a turma das pastinhas e recortes de jornais na mão. E estão sempre apreensivos. São os desempregados à procura de nova colocação profissional. No Brás, também no Centro, o local é o preferido das pessoas que vivem nos albergues.

‘Pelas mais diversas circunstâncias, determinado público passou a ser marca registrada de alguns restaurantes. Mas nunca perdemos de vista o conceito de um restaurante popular para atender os excluídos’, afirma a administradora do Programa Bom Prato, Kátia Lauriano, da Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios (Codeagro), da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.

Diante desse público diferenciado, algumas das entidades filantrópicas que administram os restaurantes adaptaram seus cardápios. Em Guaianases, na Zona Leste, por exemplo, foi feita uma campanha para incentivar as crianças a comer legumes e verduras.

Segundo a administradora, em alguns restaurantes o perfil dos freqüentadores também muda no final do mês. É que, nesse período, muitas pessoas com renda superior à dos clientes habituais do Bom Prato utilizam os serviços: ‘São trabalhadores cujos tíquetes-refeição acabaram e também estão sem dinheiro. Acabamos atendendo essas pessoas que, a princípio, não seriam nossos clientes.’

Outra diferença observada pela administradora é com relação ao público das unidades de Campinas e São José dos Campos: ‘As pessoas são mais tranqüilas e não se importam em esperar na fila.’

O Bom Prato teve início em 2001. Atualmente, existem 17 restaurantes do gênero no Estado. São 12 na Capital, 5 na Grande São Paulo e 2 no Interior.

Juntos, os estabelecimentos forneceram 11.326.426 refeições no ano passado.

O governo do Estado repassa para as entidades R$ 1,75 por refeição servida.

As crianças até 6 anos não pagam.

No restaurante de Santo Amaro, administrado pelo Instituto Adventista de Ensino, por exemplo, além do almoço a entidade oferece café da manhã e jantar. Os usuários também podem se consultar com psicólogos e assistentes sociais. São oferecidos ainda convênios para exames laboratoriais gratuitos.

A primeira turma com 70 alunos de alfabetização está se formando.

‘O nosso conceito de trabalho é não matar apenas a fome, mas compreender o ser humano com todas as suas necessidades’, explica a administradora da unidade, Sônia Barbosa Takimoto. Ainda neste ano, o governo pretende inaugurar outros quatro restaurantes no Interior. A única cidade definida é São José do Rio Preto.

Cabecinhas brancas na Lapa

Já teve até um casamento de idosos que se conheceram no Bom Prato da Lapa, Zona Oeste. E o restaurante é ideal para namoros, amizades e passeios em grupo porque se tornou o ponto de encontro do pessoal da terceira idade.

Eles correspondem a 60% das 1.500 pessoas que freqüentam o restaurante todos os dias.

Com tantos clientes acima dos 60 anos, os pratos são preparados com menor quantidade de sal e de óleo e não se acrescenta mais açúcar aos sucos. ‘Os idosos os principais freqüentadores’, conta o administrador Josimar Dorigo, de 32 anos. ‘Há vários bancos nessa rua e, quando vão receber a aposentadoria, ficam para almoçar.’ O restaurante tem uma localização central no bairro, com fácil acesso de ônibus. ‘E, como eles não pagam transporte, podem vir com freqüência’, explica Dorigo.

Muitos usuários dizem que, como moram sozinhos, não têm ânimo para cozinhar.

Com 86 anos, Gilda Lopes Zampieri almoça todos os dias no Bom Prato, desde a inauguração da unidade, em dezembro de 2001. ‘Moro apenas com o meu filho e, como ele almoça no trabalho, não faz sentido ficar cozinhando só para mim.

Economizo no tempo e no dinheiro’, diz.

Além disso, como outras colegas de restaurante, Gilda costuma participar das atividades de lazer para a terceira idade na unidade do Sesc que fica perto do restaurante: ‘Saindo daqui, vou nadar. Muitas das minhas amigas fazem isso.’

O aposentado Antonio Torres, de 80 anos, almoça pelo menos duas vezes por semana no Bom Prato e fica antenado no cardápio. ‘Sempre me informo quando vai ter feijoada e não perco de jeito nenhum.’

Criançada ‘domina’ São Mateus

Segurando as mochilas da escola ou da creche, brinquedos ou simplesmente nos colos das mães, pelo menos 150 crianças menores de seis anos e dezenas de outras acima dessa idade freqüentam todos os dias o Bom Prato de São Mateus, na Zona Leste. É o restaurante da rede que mais recebe os pequenos consumidores e adolescentes.

A presença dessa clientela assídua é tão grande que a coordenação da unidade toma cuidados especiais na elaboração dos pratos. Os bifes à rolê não têm palitos, o peixe é servido apenas como filé e o frango é preparado em pedaços maiores.

‘Como percebíamos que as crianças não costumavam comer legumes e verduras, fizemos uma campanha de incentivo ao consumo desses alimentos’, conta o administrador José Airton Rodrigues, de 44 anos. ‘As crianças que comiam as frutas e verduras ganhavam um pirulito depois da refeição. O resultado foi muito positivo.’

A presença da criançada no restaurante tem basicamente dois motivos. O principal é que o Bom Prato fica cercado por quatro favelas: Maria Cursi, 9 de Julho, Divinéia e São Mateus.

As mães que moram no local acham que fica mais barato levar os filhos para comer no Bom Prato, já que os menores de 6 anos não pagam. Outro motivo é que perto do restaurante funcionam muitas creches e escolas. Muitas mães aproveitam para almoçar com os filhos antes ou depois da escola. O mesmo acontece com os adolescentes. A sorridente Cauane, de quatro anos, com seus grandes olhos verdes e cabelos loiros é cliente. ‘Ela adora vir aqui’, diz a mãe, Luiza Cunha, de 27 anos.

Danilo, de 8 anos, é outro fã do Bom Prato. ‘Acho a comida tão gostosa’, disse o menino, que tinha saído da escola. Ele comia ao lado da mãe e da irmã Suzane, de 1 ano e meio. A mãe das crianças, Helena Aparecida Casemiro dos Santos, de 33 anos, contou que sempre come com Danilo e Suzane no Bom Prato. ‘Eles se alimentam melhor aqui’, explicou. Ela e o marido estão desempregados.

O preferido também dos motoboys

Capacetes sobre as mesas não faltam. Na entrada, dezenas de motos estão estacionadas. O point dos motoboys na Zona Sul é o Bom Prato de Santo Amaro.

Os motoqueiros correspondem a 10% das 1.800 pessoas que almoçam no restaurante todos os dias. E é fácil localizá-los: estão sempre apressados e vestindo jaquetas de couro. ‘Aqui ficamos sabendo dos colegas. Se algum não aparece por vários dias, tentamos saber se não sofreu acidente’, contou o motoboy Israel Lima de Oliveira, de 43 anos. Assim como alguns colegas, ele costuma descansar por alguns minutos no estacionamento das motos após o almoço.

São vários os motivos que levam os motoboys a almoçar no Bom Prato. ‘Acho que é principalmente a proximidade com várias empresas de Santo Amaro. Além disso, a fama do nosso serviço espalhou de boca em boca entre eles’, avaliou Sônia Barbosa Takimoto, de 58 anos, administradora da unidade.

‘Um vai contando para o outro onde tem comida boa e barata. Fiquei sabendo daqui pelos meus colegas’, contou Miguel Valdearenas, de 29 anos, que ganha R$ 800 e aprecia a refeição oferecida.

Os motoboys dizem também que a maioria da categoria não recebe vale-refeição ou verba para o almoço. Por isso, escolhe o Bom Prato. Outro motivo apontado é que, com longas jornadas de trabalho (a da maioria supera 10 horas), eles não ficariam bem alimentados comendo apenas lanche.

Delzuito Marques, motoboy, de 34 anos, é uma exceções na categoria. Ele recebe todos os dias R$ 4,50 para almoçar: ‘Comendo aqui, economizo R$ 3,50 por dia.’

A Liberdade é dos desempregados

Nos três primeiros dias da semana, cerca de 80% dos freqüentadores do Bom Prato da Liberdade, na região Central, tem um perfil definido:

desempregados. Homens e mulheres com currículos em pastinhas ou com cadernos de empregos dos jornais esperam em média 35 minutos na fila do restaurante.

A presença de tantos desempregados tem explicação: o estabelecimento fica na frente do prédio da Força Sindical, onde funciona um sistema de recolocação profissional. ‘São pessoas que não estão podendo gastar com a comida e que, justamente por não estarem trabalhando, têm disponibilidade para ficar na fila’, avalia o administrador da unidade Humberto Souza. Segundo ele, às quintas e sextas-feiras o perfil dos usuários se modifica.

‘São os trabalhadores das imediações e estudantes de uma universidade próxima’, conta. O casal de namorados Sandro Aparecido De Lelis, de 32 anos, e Maria Aparecida Oliveira dos Santos, de 26, costuma almoçar no restaurante todas as vezes que vai à Força Sindical procurar trabalho.

‘Como estamos sem renda, temos de economizar em todos os itens e esse restaurante, além de ficar perto, está dentro das nossas possibilidades’, afirmou Sandro. Eles procuram emprego de auxiliares de produção.

Aos 18 anos, Reginaldo Silva Gomes não esconde a tristeza e a preocupação enquanto espera na fila. Há cinco meses, ele procura seu primeiro emprego, sem sucesso. Nas duas vezes em que esteve na Força Sindical aproveitou para comer no Bom Prato.

Comida boa a preço honesto

Robson Rosa do Nascimento, de 34 anos, costuma chegar de madrugada na Força Sindical. Como levanta muito cedo para procurar trabalho, assim que tem fome vai para a fila do Bom Prato que começa às 9h.

‘O que me motiva comer aqui é que fico o dia todo procurando emprego. Se não almoçar aqui, fico com muita fome’, diz. Nascimento conta ainda que, no cardápio, tem sempre ingredientes da culinária do nordeste.

O desempregado explica que, almoçando no Bom Prato, suas despesas diárias com a procura de emprego são de R$ 8. ‘Se tivesse que comer em restaurantes comuns, gastaria R$ 5 a mais. Isso pesaria muito no meu orçamento, que já está apertado’, diz ele, que está desempregado há 5 meses.