Belezas trancadas vivem seu dia de princesa

Jornal da Tarde - São Paulo - Quinta-feira, 25 de novembro de 2004

qui, 25/11/2004 - 8h46 | Do Portal do Governo

Detentas de 10 presídios do Estado participam de um concurso inédito de estética e simpatia

A carreira de modelo já faz parte dos planos da presidiária Fernanda Maria de Jesus, 24 anos, 1m70 e 54 kg. Sorridente, ela viveu, ontem, seus momentos de celebridade ao lado de artistas famosos como Fábio Júnior e Raul Gil, ao ser coroada miss penitenciária 2004 de São Paulo. Em segundo lugar ficou Paula Carolina Ferraz, 22 anos, da Penitenciária de Ribeirão Preto, e em terceiro, Flávia Vieira Teixeira, 22 anos, do Butantã.

O concurso inédito foi organizado pela Secretaria da Administração Penitenciária. Das 3.660 detentas de São Paulo, 404 se inscreveram nas modalidades prosa, verso, beleza e simpatia. As 40 finalistas de 10 unidades do Estado encontraram-se, ontem, na Penitenciária Feminina do Butantã, Zona Oeste.

No quesito simpatia, a vencedora foi Gabriela Teixeira, 26 anos, representando a Penitenciária de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. A detenta Rosângela Dias da Silva, da Penitenciária de Araraquara, foi a primeira colocada no quesito prosa e Erica Batista Rosa, 24 anos, venceu a modalidade verso.

A alemã Melanie Werner, 21 anos, única estrangeira no quesito miss penitenciária, não gostou do resultado. “Esperava ter sido a primeira”, lamentou. Mas o dia era mesmo de Fernanda. Moça pobre, condenada a 4 anos por tráfico, ela morava antes de ser presa, na Favela da rua Funchal, Vila Olímpia, Zona Sul.

Emocionada, Fernanda disse que estava se sentindo como se fosse a modelo internacional Gisele Bündchen. A mãe de Fernanda, Amasina Maria de Jesus, 64 anos, também se emocionou quando o nome da filha foi anunciado como miss presidiária: “Tinha confiança e fé em Deus que ela iria vencer”, comentou.

Fernanda está presa há dois anos e 7 meses. Ela foi parar atrás das grades após ser flagrada, com o namorado, com 50 papelotes de cocaína. O prêmio de R$ 250 ela vai dar para a mãe e os três irmãos. Fernanda também ganhou um brinco de ouro do apresentador de TV Raul Gil.

Da Penitenciária de Franco da Rocha também saiu a miss simpatia, Gabriela Teixeira. Vencedora do quesito prosa, Rosângela Dias da Silva agora pensa em escrever um livro. O mesmo plano tem a detenta Erica, ganhadora do quesito verso. “Estou reaprendendo a viver na prisão”, disse ela.

Evento foi considerado ‘um sucesso’

O secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, considerou um sucesso o primeiro concurso miss presidiária do estado de São Paulo. Ele pretende promover a segunda edição do concurso, em suas quatro modalidades, no ano que vem.

Furukawa afirmou que o principal objetivo do concurso é melhorar a auto-estima das presidiárias. Segundo ele, outro fator importante é ajudar no trabalho de ressocialização das detentas e procurar mostrar que elas têm recuperação.

O júri do concurso realizado ontem reuniu, além de artistas, advogados, personalidades do Poder Judiciário e até vítimas da violência, como a juíza Cristina Escher, viúva do corregedor Antônio José Machado Filho, assassinado em março de 2003 em Presidente Prudente, e também Ari Friedenbach, pai de Liana, a garota morta com o namorado na cidade de Embu-Guaçu.

Cristina Escher disse que está criando, junto com empresários da região metropolitana de São Paulo, uma organização não governamental (ONG) em nome do juiz Machado, para trabalhar com a reeducação do preso. “Temos que acreditar na ressocialização do presidiário. Iniciativa como essa da Secretaria da Administração Penitenciária traz resultados positivos”, afirmou.

A juíza disse ainda que se sentiu honrada em participar como jurada do concurso. “Fiquei muito feliz com o convite. Não posso me deixar abalar por causa da violência sofrida”, argumentou.

Ari Friedenbach também considerou importante o evento patrocinado pela Secretaria da Administração Penitenciária. Segundo ele, o Estado mostra coisas boas no sistema prisional. “Não podemos ver a massa carcerária como um lixo. A maioria dos presos tem chance de se recuperar. Mas isso também depende de nós, da sociedade”, acrescentou. O apresentador Raul Gil foi outro que disse apostar na ressocialização das detentas e foi aplaudido.