Beethoven com sotaque próprio

Jornal do Brasil - Quinta-feira, 12 de agosto de 2005

sex, 12/08/2005 - 11h51 | Do Portal do Governo

Parceria da Osesp com o selo Biscoito Fino se inicia com o lançamento de cinco sinfonias do compositor alemão em três CDs

Alexandre Werneck

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo acumulou uma forte reputação no mercado internacional de música de concerto por suas gravações de música erudita brasileira – fora do Brasil seus discos são distribuídos pelo selo sueco Bis. A Osesp já mostrou ao mundo obras como as sinfonias (1 e 4, 2 e 3, 5 e 6, em três CDs) de Camargo Guanieri ou Maracatu do Chico Rei, Festa das igrejas e Sinfonia tropical (juntas em um CD), de Francisco Mignone, ou ainda as recém-lançadas Bachianas brasileiras 2, 3 e 4, de Heitor Villa-Lobos. Nada mais natural, afinal, uma orquestra brasileira deve se mostrar ao mundo com a música do Brasil. Agora, entretanto, com o lançamento do selo Osesp/Biscoito Fino, que une a orquestra paulista e a gravadora carioca que há alguns meses lançou seu próprio selo nesse nicho, o Biscoito Clássico, chama a atenção o movimento contrário: os três primeiros discos, que têm lançamento hoje em São Paulo, e terça, no Rio, para convidados, são gravações de cinco sinfonias e duas aberturas do alemão Beethoven (1770-1827).

– Temos definidas duas linhas de gravação. Além de nos inserirmos no contexto das grandes orquestras mundiais com música brasileira, muita gente no Brasil quer ouvir o repertório tradicional. As pessoas querem que toquemos Beethoven, Brahms, Tchaikovsky. Elas vão ao teatro nos ouvir tocar isso – explica John Neschling, regente e diretor artístico da Osesp, que estará no Rio para o lançamento.

O primeiro disco, um relançamento de um álbum de 2000, traz as sinfonias nº 1 e nº 4, além da Abertura Coriolano opus 62. Os outros dois foram gravados em 2004, na Sala São Paulo, e trazem, um, as sinfonias nº 2 e nº 8 e a Abertura Egmont; e, o outro, a sinfonia nº 9 – esta, a única sem a batuta de Neschling, com condução de Roberto Minczuk, que assume amanhã à frente da Orquestra Sinfônica Brasileira, no Teatro Municipal, às 16h.

Mas a escolha de Beethoven para iniciar um projeto de distribuição ampla no Brasil causa estranhamento, uma vez que é possível encontrar no mercado atualmente dezenas de gravações de suas nove sinfonias, sobretudo da 9º. É fácil comprar discos com regências de Nicolaus Harnoncourt, Christopher Hogwood, Leonard Bernstein ou Herbert von Karajan, para citar só os mais famosos e algumas das melhores gravações.

– Não é, claro, nossa intenção concorrer com grandes orquestras do mundo, com outras gravações de Beethoven. Mas a versão da Osesp tem um sotaque próprio. Sou um regente de raiz vienense e tenho sempre muito respeito pelo original, mas, ao mesmo tempo, damos muita liberdade aos intérpretes. O traço particular dessas gravações é que elas são registros ao vivo, com público, o que lhes dá muito mais vida – diz Neschling, carioca que estudou regência com Hans Swarowsky, em Viena, e com Leonard Bernstein, no centro de Tanglewood, da Sinfônica de Boston.

E de fato, em cada disco, pode-se ouvir a peculiaridade do registro ao vivo. Isso fica evidente principalmente nas sinfonias nº 2 – na qual a valorização dos metais revela traços importantes da orquestração – e na nº 9, que, a cada coral que a apresenta tem um vigor diferente. A Osesp fez cinco ensaios para cada sinfonia de Beethoven antes das apresentações que foram gravadas. Este ano, eles gravam ainda a 5ª, a 6ª e a 7ª sinfonias, para serem lançadas ano que vem, quando gravam a 3ª sinfonia, a Heróica, para lançamento em 2007.

Nos planos da parceria, além da distribuição nacional dos discos já gravados pela Osesp (os de música brasileira, inclusive), estão a gravação nos próximos anos dos concertos de piano do russo Rachmaninoff (1873-1943), com o pianista Arnaldo Cohen, as seis sinfonias do também russo Tchaikovsky (1840-1893) e as quatro sinfonias do alemão Brahms (1833-1897).