Barreira contra a sonegação fiscal

Gazeta Mercantil - Terça-feira, 13 de janeiro de 2004

ter, 13/01/2004 - 10h07 | Do Portal do Governo

Editorial

Especialistas em tributação e o empresariado nacional vêm, há anos, batendo na tecla de que um dos mais eficientes antídotos contra a sonegação fiscal é a redução da carga tributária. Essa tese, também defendida por este jornal, ganhou força durante o processo de discussão e votação da frustada reforma tributária, que se transformou em arremedo porque não propiciou, ainda, mudanças fundamentais como a unificação das alíquotas do ICMS.

É em relação a esse imposto que uma recente medida corrobora a tese acima aludida. Trata-se da promulgação, pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), da lei estadual que reduz de 25% para 12% a alíquota do ICMS incidente sobre a comercialização do álcool combustível (hidratado) no Estado de São Paulo. A lei foi sancionada no início de dezembro passado e o seu impacto positivo já se faz notar, tanto pelo aumento das vendas do produto no mercado paulista quanto pela possibilidade palpável de crescimento da arrecadação do tributo aos cofres do Tesouro estadual.

A verdade é que a combinação da alta carga até então vigente com a diferenciação de alíquotas permitida pela atual estrutura tributária deu margem à ação desenvolta de sonegadores, ao facilitar operações fictícias de venda de álcool hidratado para outros estados. Enquanto em São Paulo era aplicada a alíquota de 25% de ICMS, a legislação permite alíquotas menores para vendas interestaduais (12% para os estados limítrofes e 7% para os da Região Norte).

O mecanismo da sonegação é simples: distribuidoras compram álcool de produtores paulistas e simulam a venda do combustível para outros estados. Só que o produto é vendido no próprio mercado paulista, pagando somente 7% de ICMS, ou 12% antes da redução da alíquota. Os sonegadores não só embolsam parte da diferença, em prejuízo do erário estadual, como estimulam a prática de concorrência desleal e, em conseqüência, desestruturam a formação de preços.

De imediato, a redução da alíquota provocou crescimento exponencial das vendas no mercado paulista de álcool hidratado da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, e das filiadas ao Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom). Em dezembro, as vendas da BR Distribuidora aumentaram cinco vezes e meia em relação à média mensal do ano passado, enquanto as das empresas integrantes do Sindicom subiram 150%.

Esse desempenho, na opinião de executivos do setor ouvidos por este jornal, mostra que em São Paulo há um forte mercado clandestino de álcool hidratado e a redução da alíquota do ICMS tornou a sonegação um negócio menos competitivo. Basta ver o comportamento dos preços praticados. Antes da redução, o preço do litro de álcool nas bombas variava entre R$ 0,80 e R$ 1,20. Com a queda da alíquota, os preços mais elevados caíram para cerca de R$ 1,00.

Pelos cálculos do Sindicom, as empresas a ele ligadas respondem pela comercialização de algo entre 20% e 25% do mercado de álcool nacional. Em relação à gasolina, a participação é de 70% do mercado brasileiro. Diferença tão gritante só tem uma explicação: o mercado informal de álcool não é expressivo somente no Estado de São Paulo. De fato, enquanto a produção de álcool nas usinas brasileiras atinge 5,5 bilhões de litros por ano, as estatísticas da Agência Nacional de Petróleo (ANP) revelam comercialização de 3,5 bilhões de litros.

Ou seja, 2 bilhões de litros são vendidos sem recolhimento de tributos. A estimativa do Sindicom é que o mercado paralelo em São Paulo represente 50% do total comercializado no estado, que concentra a produção de álcool no Brasil, ao responder por 75% a 80% do total produzido.

Esse quadro também preocupa a Unica, entidade que congrega as empresas sucroalcooleiras de São Paulo e que batalhou, junto com o Sindicom, para que a alíquota do ICMS fosse reduzida. Para o setor sucroalcooleiro paulista, a queda da alíquota, entre outros efeitos positivos, ‘alija a concorrência desleal e dá legitimidade aos preços praticados, que deixem de ser maquiados pela sonegação ou fraude fiscal’.

A Unica projeta para este ano aumento expressivo da produção de álcool hidratado. Nesta safra, só a região Centro-Sul deverá produzir um adicional de 1,6 bilhão de litros em relação à safra anterior, em decorrência do mercado novo representado pelos veículos bicombustíveis, aqueles que rodam com álcool e/ou gasolina. Tanto essa entidade quanto o Sindicom acreditam que, ao contrário, de provocar queda da receita estadual, a redução da alíquota do ICMS propiciará seu crescimento, pois a base de contribuição será ampliada.