Autonomia lógica

O Estado de S. Paulo - Editorial - Terça-feira, 3 de maio de 2005

ter, 03/05/2005 - 10h18 | Do Portal do Governo

EDITORIAL

Decreto do governador Geraldo Alckmin regionaliza a fiscalização e a autorização para construções de pequeno impacto ambiental em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Desde o dia 25, a atribuição, até então do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), passou a ser de responsabilidade do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN). São consideradas obras de baixo impacto a construção de cercas para delimitar propriedades, assim como a canalização de córregos e a construção, reforma e manutenção de açudes, bebedouros e barragens, entre outras. Representantes do Ibama consideraram exemplar a iniciativa do governo paulista, por dar agilidade aos processos e por antecipar uma tendência de descentralização de responsabilidades na área ambiental.

A Secretaria Estadual do Meio Ambiente estima que, em São Paulo, pelo menos 1,5 mil projetos estão parados por falta de aprovação do Ibama. O governo pretende organizar uma força-tarefa para despachar os processos. É fato que a medida atenderá aos interesses dos empreendedores imobiliários, conforme acusam alguns ambientalistas contrários à descentralização. Mas isso não é ruim, a priori, nem se pode acusar o governo de superficialidade no trato da questão.

Conforme explica a gerente-executiva do Ibama em São Paulo, Analice Novais Pereira, o decreto do governador Geraldo Alckmin resultou de uma série de discussões realizadas nos últimos meses entre a Secretaria do Meio Ambiente e o instituto, e segue a mesma linha da regulamentação que está sendo preparada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), com alcance nacional. Analice contesta os ambientalistas que criticam a medida sustentando que os poderes do Ibama foram reduzidos em São Paulo. Lembra ela que, agora, a atuação do Ibama se concentrará no exame de grandes projetos ou que envolvam áreas de mata atlântica.

É ilógico, num país com as dimensões e a diversidade do Brasil, centralizar no governo federal decisões como a autorização para a construção de uma cerca para delimitar propriedades ou de uma pequena ponte sobre um córrego. A gerente-executiva do Ibama lembra que nunca houve regulamentação clara sobre as intervenções de baixo impacto ambiental. ‘O procedimento nunca foi obrigatório’, afirmou, em entrevista ao Estado. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Carlos Alberto São Severino, também considera legítima a autonomia concedida ao DEPRN.

Contrários estão os ambientalistas que preferem atribuir interesses menores à iniciativa em vez de analisar como o decreto pode beneficiar o meio ambiente e atender aos interesses da população. Para alguns deles, a nova norma atende exclusivamente à pressão dos empreendedores. Não é verdade. Ela se tornou necessária para atender a situações como, por exemplo, a que enfrenta a Associação Pró-Moradia da Vila Progresso, região carente da periferia da zona leste paulistana, que tenta há um ano e meio canalizar um córrego que atualmente serve de lixão. O córrego poluído, além de ser uma ameaça à saúde pública, transborda a cada chuva forte, invadindo as casas vizinhas. A canalização do córrego, no entanto, depende do parecer de um órgão federal que não conta com suficientes recursos humanos, não conhece a realidade local e não tem agilidade para decidir, atravancado que está pelo acúmulo de processos.

O Departamento Estadual de Proteção de Recursos Ambientais tem 300 técnicos preparados para avaliar os pedidos de autorização de obras, seguindo a legislação ambiental. Os ambientalistas temem que, pela proximidade, o órgão esteja mais exposto às pressões dos empreendedores locais. Mas o fato é que, também estando mais próximo dos ambientalistas, eles poderão fiscalizar com maior eficiência as decisões do DEPRN, delas participando mais ativamente.

O conselheiro do Conama, Antônio Carlos Herman de Vasconcellos Benjamim, procurador do Estado, afirmou que o conselho analisará o decreto em junho. ‘Fomos pegos de surpresa. São Paulo passou por cima de uma discussão que o Conama tem há meses.’ O problema se arrasta há anos e é exatamente para acabar com a lentidão na solução de questões simples que São Paulo, corretamente, se antecipou.