Autonomia das escolas gerou queda na qualidade do ensino

Folha de S.Paulo - Segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

seg, 25/02/2008 - 14h16 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

Secretária estadual de Educação diz que a desorganização pedagógica deve ser sanada com a adoção de currículo comum à rede; segundo ela, Grande SP precisa de R$ 1,5 bilhão

PROFESSORES QUE NÃO se fixam nas escolas. Liberdade excessiva aos colégios. Recursos insuficientes para infra-estrutura e salários. Esses são os problemas na rede de ensino de São Paulo apontados pela secretária estadual de Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, que contribuem, segundo a titular do governo José Serra (PSDB), para que os alunos da rede estadual tenham dificuldades para aprender.

Nesta entrevista concedida à Folha na última quinta-feira, Maria Helena detalha os projetos da atual gestão -entre eles, a adoção de um currículo comum à toda rede e reformas nas escolas- e, sem citar nominalmente, afirma que houve falhas nas gestões anteriores, as duas últimas do PSDB (Geraldo Alckmin e Mario Covas).

A reportagem procurou na última sexta-feira o presidente da Apeoesp (sindicato dos professores), Carlos Ramiro de Castro, mas não conseguiu localizá-lo para que comentasse as críticas aos docentes.

 

FOLHA – Faltam recursos para a educação em São Paulo?

MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO
– Precisamos melhorar a infra-estrutura das nossas escolas. O governador José Serra está investindo pesado nisso. No ano passado, foram R$ 550 milhões e, neste ano, já alocamos R$ 107 milhões em apenas dois meses. É muito mais do que foi investido nas gestões anteriores.

Mas são 5.530 escolas. É suficiente o que o Estado está alocando? Ainda não é, apesar de o esforço ser muito grande. Teve chuva agora, a quantidade de problemas que surgiu é impressionante. Também há escola que foi toda reformada, mas na outra semana a fiação já foi roubada, para que o cobre seja trocado por droga.

Temos um diagnóstico de que, só para a Grande São Paulo, precisamos de no mínimo R$ 1,5 bilhão, imediatamente.

FOLHA – Quais são os principais problemas de infra-estrutura?

MARIA HELENA – É preciso trocar toda a parte elétrica, a hidráulica e os telhados de uma boa parte das escolas. Muitas têm mais de 40 anos, precisam de uma reforma completa.

FOLHA – O R$ 1,5 bilhão imediato está disponível?

MARIA HELENA – Até 2010, haverá R$ 1,7 bilhão, entre reformas e obras. Mas já estamos fazendo um novo levantamento, que mostra que o buraco é maior do que tínhamos anteriormente, principalmente na Grande São Paulo. São necessárias reformas estruturais nas escolas.

FOLHA – Por que a situação chegou a esse ponto?

MARIA HELENA – Houve falhas de manutenção das escolas. Muitas vezes, os diretores não comunicam suas necessidades às diretorias de ensino. E há diretorias que não têm clareza ao hierarquizar os problemas. Estamos fazendo um grande estudo sobre a reorganização das diretorias. Mas esse foi o legado que recebemos. Estou aqui há seis meses, o Serra, há um ano. Há um problema estrutural.

FOLHA – Então são falhas dos governos Alckmin, Covas…

MARIA HELENA – Não quero dizer que foram falhas de governo nenhum, quero dizer que tem um problema de estrutura organizacional.

FOLHA – Se de fato forem necessários mais recursos para infra-estrutura, a sra. vê possibilidade para liberação desse montante?

MARIA HELENA – Não. Não que o governador não queira, mas as necessidades em geral são infinitas, e os recursos, finitos. Mas acho que neste ano daremos uma grande arrancada na melhoria da infra-estrutura. Já temos mais orçamento, e o FDE [órgão da secretaria responsável pelas obras] está com uma estrutura melhor.

FOLHA – Faltam recursos para outras áreas da educação no Estado?

MARIA HELENA
– Para incentivo à carreira e à valorização dos profissionais. A carreira depende de um bom salário [levantamento da Folha mostrou que SP paga o 10º maior salário do país a professores iniciantes]. Mas isonomia, só, não resolve. Precisa ter um incentivo concreto, o bônus por desempenho, para incentivar os mais dedicados. E precisa melhorar as condições de trabalho.

Do ponto de vista pedagógico, identificamos que tínhamos uma grande fragmentação. Cada escola fazia uma coisa. Algumas muito boas, outras mais ou menos, e a maioria com desempenho muito insatisfatório, segundo os exames de avaliação. Ficou provado que essa plena autonomia didático-pedagógica não era boa, levou a uma queda na qualidade. A progressão continuada não é o problema. O problema é a fragmentação pedagógica nas escolas e a ausência de mecanismos de recuperação permanente, do início ao final do ano, como qualquer boa escola particular. Isso não estava sendo feito.

FOLHA – Mais falhas dos governos tucanos anteriores?

MARIA HELENA – Mais falhas estruturais. Estamos enfrentando a desorganização pedagógica com várias ações, que já estão em andamento, como criação de um currículo para todas as séries, de disciplinas e as expectativas de aprendizagem. Ou seja, as escolas agora sabem o que devem ensinar aos alunos. Não significa que a escola não tenha autonomia. Ela continua escolhendo seus livros e seu projeto pedagógico. Mas isso tem de seguir os conteúdos básicos.

FOLHA – Professores e diretores reclamam que não recebem reajuste salarial há três anos. Alguns afirmam que, sem o aumento, os profissionais podem ficar desestimulados e, assim, há o risco de os projetos da secretaria não saírem do papel.

MARIA HELENA – A negociação salarial não é isolada, envolve o governo como um todo. Não tenho nenhuma informação, por enquanto, sobre negociação. A remuneração por merecimento é importante, mas concordo que a remuneração básica seja importante também. Vamos criar um grupo para revisão da carreira. Temos, por exemplo, problemas de absenteísmo [faltas dos professores]. Fica claro que é devido a uma legislação extremamente tolerante.

FOLHA – Caso não haja reajuste, os projetos podem ficar só no papel?

MARIA HELENA
– Não sei avaliar. Só espero que a remuneração fixa e a variável melhorem. Também precisamos melhorar as condições de trabalho.

Estamos fazendo um estudo para a revisão dos módulos [número de alunos por turma], para tentar diminuí-los. A superlotação é muito pontual, atinge aquelas regiões onde não há terreno para construir escola.

Nas outras áreas, podemos reduzir o número de alunos por turma: para 30 nas salas de 1ª a 4ª série; 35 para 5ª a 8ª [atualmente, a secretaria recomenda 35 e 40, respectivamente].

FOLHA – O país fica sempre nas últimas colocações em exames internacionais. Essa situação vai se alterar?

MARIA HELENA – As avaliações são diagnósticos. Cabe a Estados e municípios estabelecerem políticas de médio e longo prazo. Há agora o PDE [Plano de Desenvolvimento da Educação, do governo federal], que estabelece metas para Estados, municípios e escolas. Isso é importante. O problema é que poucos definiram o caminho para atingir as metas que o MEC estabeleceu. A ação do MEC está começando, vai demorar [para dar resultado]. Tudo demora em educação.

FOLHA – Se não há mudanças no curto prazo, não é um contra-senso avaliar as escolas no período de apenas um ano para conceder bônus aos funcionários, como será em SP?

MARIA HELENA
– Não estou querendo que a escola dê um salto no Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de SP) de um ano para outro. Mas qualquer avanço no Saresp ou melhora na estabilidade do quadro de professores terá impacto no índice.

Aliás, a estabilidade é um problema. Anteontem fui a uma escola em São Mateus [zona leste]. Era segundo dia de aula e já havia cinco professores afastados, substituídos por eventuais. A lei permite, não posso fazer nada. FOLHA – O que o governo fará?

MARIA HELENA
– Tem de discutir com os sindicatos. Não dá para mudar isso se todo mundo for contra. Vamos fazer uma comissão para analisar isso. Mas essa coisa de remover a qualquer momento, e todo mundo ter direito, é um crime contra o direito da criança aprender.

Por que o direito do professor se sobrepõe? Só neste começo do ano, 45 mil professores mudaram de escola [a rede possui 250 mil professores]. E nem estou contando licenças médicas.

Os próprios professores da rede me dizem que os professores eventuais, que passam a substituir o efetivo que foi embora, chega de pára-quedas. O substituto entra na sala de aula, faz a chamada, cruza os braços e começa a bater papo.

Agora, com o material que fizemos, os coordenadores vão monitorar semanalmente o currículo. Na hora que o eventual chegar, ele vai saber exatamente onde o outro parou. FOLHA – Por que o currículo escolar se perdeu?

MARIA HELENA
– Começou em meados da década de 80. Não é um problema só de São Paulo.

E essa é minha crítica para as faculdades de pedagogia, inclusive USP e Unicamp, porque elas se focaram em um debate equivocado que confundia autonomia da escola com fazer o que quiser. Isso se propagou [para todo os sistema].

FOLHA – SP vai aderir ao PDE?

MARIA HELENA – Sim. O ministro deixou claro que os Estados podem escolher quais das 30 ações deseja aderir. Se não usar nenhuma, pode aderir apenas aos compromissos com as metas de qualidade. Mas vamos adotar, ao menos, o programa de EJA [antigo supletivo] profissionalizante.

FOLHA – A sra. conta com envio de recursos com o PDE?

MARIA HELENA
– Vou pedir muito. Tem Estado pedindo R$ 3 bilhões. Quem sabe não vem um dinheiro para completar o que faltará para a infra-estrutura para a Grande São Paulo?