As relíquias que o Mar Morto conservou por mais de 2 mil anos

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Quinta-feira, 25 de novembro de 2004

qui, 25/11/2004 - 8h52 | Do Portal do Governo

Depois do Rio, a coleção de pergaminhos e objetos encontrados na região é exibida em São Paulo

Camila Molina

Foi graças às peculiaridades da região do Mar Morto, situada na Grande Fossa Africana, vale que se estende entre a Turquia e o leste da África, que uma das mais importantes preciosidades arqueológicas de todos os tempos, sete rolos de couro contendo os Livros da Bíblia Hebraica, se preservaram durante mais de 2 mil anos. E agora, uma mostra com toda essa história chega a São Paulo. Depois de passar pelo Museu Histórico Nacional do Rio, a exposição Pergaminhos do Mar Morto – Um Legado para a Humanidade será inaugurada amanhã no quarto andar da Estação Pinacoteca. Nela, como o título diz, os grandes destaques são os fragmentos dos pergaminhos com as escrituras mais antigas do Velho Testamento cristão.
No total, o público poderá ver dez pergaminhos – três originais e sete réplicas, além de objetos daquele período.

Em 1947, dois beduínos que cuidavam de seu rebanho de ovelhas e cabras deram de encontro com uma caverna em Qumran, na região do Mar Morto. Um deles, curioso, jogou uma pedra na abertura da caverna antes de entrar. Escutou o barulho de um jarro se quebrando e nem podia imaginar o que continha aquele recipiente de cerâmica – antes de serem descobertos os pergaminhos, a fonte mais antiga de estudo da Bíblia era o Códex de Alepo, do século 10.º depois de Cristo.

A partir desse fato, diversas escavações foram feitas entre 1951 e 1956 na região de Qumran. Numa extensão de oito quilômetros, 11 cavernas foram identificadas num trabalho que reuniu arqueólogos e beduínos. Atualmente, a maioria dos manuscritos encontrados está abrigada no Instituto de Antiguidades de Israel do Museu Rockefeller, em Jerusalém. São deles os materiais reunidos nesta atual exposição, que desde 1992 circula por diversas cidades do mundo.

ESSÊNIOS

Até se chegar aos famosos pergaminhos, na última parte da exposição, os visitantes terão a oportunidade de se ambientar na época em que os manuscritos foram redigidos e conhecer um pouco da região do Mar Morto. Primeiramente, por meio de fotografias, um documentário e textos de parede, é possível identificar as características do local onde os pergaminhos estiveram preservados naturalmente por milênios. Na área em que está o mar mais salgado do mundo, a ponto de nenhum peixe ou planta conseguir sobreviver, faz sol em cerca de 330 dias por ano. A água que evapora se transforma em névoa com cheiro de enxofre.

Depois do território, seus habitantes. Mais para frente é a vez de conhecer os essênios, o povo que vivia em Qumran naquela remota época bem antes de Cristo. Segundo antigos relatos do historiador Flavius Josephus, os judeus do Segundo Templo dividiam-se nos grupos saduceus (sacerdotais e aristocratas), fariseus (círculos laicos) e essênios (separatistas do judaísmo que se isolaram no deserto). A grande maioria de estudiosos acredita que este último grupo assentou-se em Qumran. Por meio de estudos de seus costumes, uma das questões em aberto é a de que talvez os essênios sejam os primeiros cristãos. ‘Um dos pontos mais importantes dessa exposição é poder entrar em contato com o dia-a-dia das pessoas que escreveram e guardaram os pergaminhos’, diz o curador Robert Kool, do Instituto de Antiguidades de Israel.

Vestimentas feitas em linho branco, formas de rituais, refeições, moedas e objetos dos mais banais do cotidiano e outros raríssimos por suas condições – totalizando 80 peças – são os pontos destacados pelo historiador e curador. ‘Tudo isso mostra a simplicidade do modo de viver de um povo há 2 mil anos’, afirma Kool. Era o período em que se ‘cristalizavam’ as três religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.

Muitos dos objetos são simples. Na maioria, são peças de cerâmica que os próprios essênios produziam como utensílios. Leves, feitas em argila rosa, vermelha, clara e cinza, as peças não eram decoradas. Essa característica atendia à questão da pureza, uma das principais preocupações na comunidade de Qumran – rituais de purificação eram práticas constantes.

DEPOIS DA CAVERNA

No segmento seguinte da exposição foi montada uma pequena simulação da caverna de Qumran em que está projetada, por uma fresta, uma imagem do Mar Morto. É como se adentrássemos naquele local onde os beduínos encontraram o jarro com os rolos de escrituras.

Colocados dentro de vitrines climatizadas estão os dez pergaminhos. São fragmentos dos escritos feitos sobre pedaços de couro, de pele de carneiros. De longe, suas formas remetem a mapas, excertos de cartografia do Velho Testamento.

Os três originais são fragmentos do livro Gênesis, Salmos e Regras da Comunidade dos Essênios. No Rio, foram exibidos originais diferentes desses (do livro Deuteronômio, Êxodo e de Isaías). Segundo a produção, os pergaminhos antigos podem ficar somente três meses fora de Israel por causa das condições de luz e umidade. Em cada cidade em que a mostra é exibida, o conjunto é o mesmo (além dos já citados, há réplicas feitas no mesmo material, fino couro, o Calendário, Salmos Sectários e Levítico).

Como afirma Robert Kool, a vasta maioria dos pergaminhos foi escrita em hebraico – há alguns poucos em um hebraico mais antigo que chega a datar de 2.080 anos atrás – e uma menor parte em aramaico e grego.

A exposição também apresenta informações sobre a conservação das escrituras realizada pelo Instituto de Antiguidades de Israel, que em 1991 montou um laboratório especial para o material antes armazenado em placas de vidro – é curioso ver que nos primeiros contatos com os pergaminhos, na década de 50, os estudiosos utilizaram escovas de pêlo de camelo e óleo de mamona para tratar as manchas escuras. Fonte de pesquisa inesgotável, a conclusão da Publicação dos Pergaminhos do Mar Morto ocorreu em 2002, mas há muito ainda para se descobrir.

Serviço – Pergaminhos do Mar Morto: Um Legado para a Humanidade. Estação Pinacoteca. Lgo. General Osório, 66, Luz, 3337- 0185. 10h/18h (fecha 2ª). R$ 4,00 – grátis aos sábados. Até 27/2/05. Abertura amanhã. www.marmorto.com.br

Preste atenção

Tinteiro: O recipiente com alça circular encontrado em Jerusalém é, segundo o curador Robert Kool, uma das peças mais raras presentes na exposição. Feito em cerâmica, com formato cilíndrico, o objeto faz parte de um conjunto de três tinteiros (um deles é de bronze). Por meio dele, é possível dizer que as pessoas escreviam naquela época, uma maneira de fazer conexão com o tema da mostra.

Copo de medida: Essa é outra peça em destaque. O copo fabricado em pedra calcária é um dos itens achados com mais freqüência nas escavações em Qumran. Cilíndrico, com altura de pouco mais de 12 cm, o recipiente era esculpido com faca ou talhadeira e sua superfície não tem polimento. Uma de suas características são as alças retangulares verticais. Acredita-se que suas capacidades correspondam às medidas estabelecidas nas leis rituais judaicas de pureza.

Jarros: Na mostra há dois jarros de cerâmica sem decoração. Como diz a história, armazenar pergaminhos em jarros era uma prática judaica antiga – e foi num jarro que os primeiros rolos foram encontrados em 1947 por beduínos na caverna de Qumran. Segundo os estudos realizados, provavelmente os essênios seguiram literalmente as palavras do profeta Jeremias: ‘Toma esta escritura de compra, tanto a selada como a aberta, e mete-as num vaso de barro.’

Moedas: Quantidades enormes de moedas feitas em prata e bronze foram descobertas também em vasos de cerâmica em Qumran, o que pode indicar a importância econômica da região do Mar Morto na época. Há peças de diferentes períodos.