Arquitetura que dialoga com o medo

O Estado de S.Paulo - Sexta-feira, 6 de junho de 2008

sex, 06/06/2008 - 9h26 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Fala-se muito em modernidade, hipermodernidade ou pós-modernidade na nossa sociedade. Mas basta um olhar mais atento ao que nos cerca ou às manchetes da mídia para percebermos que, na verdade, estamos mais próximos da barbárie do que da modernidade. Aspectos como esses são levantados nas imagens feitas por André Gardenberg para a exposição Arquitetura do Medo, a segunda parte de sua trilogia sobre a sociedade contemporânea. Na primeira, Arquitetura do Tempo, ele discute sobre a indústria da beleza que massifica e transforma as pessoas em objetos sem expressão em busca da eterna juventude ou da imortalidade.

O mundo do homem contemporâneo. Este ensaio, realizado em 2001, culminou com a publicação de um livro pela Cosac Naify. Neste, a questão é outra, embora tenha como cerne principal a vida que levamos em contraposição àquela que pensamos viver. Agora, Gardenberg se volta para o aprisionamento do homem moderno: “Em qualquer lugar, o que vemos são grades, pessoas que se escondem por medo da violência, fruto do descaso político e econômico”, nos relata por telefone de sua casa, no Rio. Esse sentimento de afastamento da vida civil o levou a realizar esse ensaio, não como forma de denúncia, afinal imagens como essas estão diariamente na mídia e também em trabalhos de vários fotógrafos. Gardenberg quis, na verdade, criar um diálogo entre o dentro e o fora das grades: “Vítimas sim, mas também algozes”, diz. Fotojornalista de formação, além da questão documental foi atrás de um olhar artístico que para ele se define na busca do belo: “Entendo arte como o belo, sou um artista que gosta do belo.” Não que possa existir conteúdo sem estética ou vice-versa, nem que o fotojornalismo não seja linguagem ou busca estética – nem sempre do belo, é verdade. Mas nas fotografias de Gardenberg o que ele procurou não foi chocar a sociedade ou fazer retórica do que conhecemos, afinal a repetição cansa, afasta, mas chamar a atenção para o processo que ele chama de “descivilização” para o qual caminhamos. “Fotografei cidades como Rio, São Paulo, Salvador e Recife, e em todas o processo é o mesmo. Em Olinda, os ateliês também já estão atrás de grades, no restante das cidades é sempre o mesmo cenário.”

Um cenário de limites onde ele percebeu algo além da mera busca de segurança física. Ao fotografar, ao olhar grades insistentemente, sentiu-se claustrofóbico. Foi quando se deu conta que mais do que as grades externas, o que existe são prisões internas que escolhemos para viver: “O Muro de Berlim caiu, mas as pessoas mantêm os mesmo preconceitos e se hostilizam”, filosofa. Derrubar portões é fácil, metamorfosear a consciência ou a vontade é que se torna a parte mais difícil. Depende de reflexão, do querer agir. Em uma sociedade em que o presente é eterno e não encontramos mais nem passado, nem futuro, a reflexão fica difícil. Suas fotografias não são apenas as visões de alguém que passeia e de fora registra os obstáculos ou a incomunicabilidade do homem contemporâneo, mas em muitas, ele próprio está por trás dessas mesmas grades que registra. Não só pessoas estão aprisionadas, mas também os animais, os objetos, as plantas. Cidades que criaram uma nova estética para se proteger, não apenas da violência, mas do medo que se infiltrou em nós. As imagens de André Gardenberg não constatam simplesmente uma situação, elas também contestam essa maneira de viver.

Serviço André Gardenberg. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, 3324-1000. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 10/8. Abertura sábado, 11 h