Alunos reprovam indisciplina

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Segunda-feira, 15 de novembro de 2004

seg, 15/11/2004 - 20h40 | Do Portal do Governo

Levantamento revela que estudantes culpam bagunça e falta de interesse por dificuldades no aprendizado

RENATA CAFARDO

Os alunos das escolas estaduais de São Paulo acham que não aprendem por culpa deles mesmos – ou dos colegas. Pesquisa inédita feita pela Secretaria Estadual da Educação com os 4,2 milhões de estudantes da rede mostra que 61,4% deles culpam a indisciplina da sala de aula, a falta de interesse dos jovens ou o desconhecimento de matérias de anos anteriores pela dificuldade de aprendizagem. O professor e a estrutura escolar são citados como problemas por 20%.

A menina Sindel Borges, de 16 anos, estuda numa escola estadual da Lapa, zona oeste, e reclama que a direção não pune os ‘bagunceiros’. ‘Tem gente que brinca demais, fala alto. Não dá para prestar atenção assim’, completa o colega Pedro Henrique Cardenas. Contam ainda que há professores que faltam e são substituídos por outros de disciplina diferente, mas não dizem que isso ‘atrapalha tanto’. As amigas Dayane Cardoso, Daniela Silva e Renata Leite não entendem porque não há mais aulas de inglês. A professora, segundo elas, saiu de licença esse semestre. ‘No horário dela, ou a gente não faz nada ou tem aula de português.’ As três alunas acham que uma boa solução para as aulas renderem mais seria ‘separar os que fazem bagunça dos interessados’.

‘A falta de interesse dos alunos está ligada a um trabalho pedagógico que não atrai’, reconhece a responsável pela coordenadoria de estudos e normas pedagógicas da secretaria, Sonia Maria Silva. Para ela, os números mostram que o Estado precisa investir na formação de professores para desenvolverem aulas mais dinâmicas e menos conteudistas. O presidente do sindicato dos professores (Apeoesp), Carlos Ramiro de Castro, também pede mais e melhor formação para os profissionais. ‘Os alunos são muito rigorosos com eles mesmos’, diz, sobre o resultado da pesquisa. Ele cita outros motivos para a baixa qualidade do ensino: salário insuficiente, jornadas duplas de trabalho e o grande número de alunos nas salas de aula – problema apontado por 10,7% dos estudantes.

Para o secretário Gabriel Chalita, um dos dados mais alarmantes do estudo foi a quantidade de pais de alunos que cursaram o ensino superior: 4,3%. ‘O complemento da educação tem de acontecer em casa. Se não há incentivo à leitura, por exemplo, dificulta muito.’ Os números mostram que grande parte dos estudantes da rede (38,6%) tem até nove livros em casa. A aluna da 7ª série Naira Rigo, cujo pai é vendedor e a mãe, dona de casa, tem apenas um. Ela sonha em cursar uma faculdade e diz que também não lê jornais.

FALTAS

De acordo com a pesquisa, 35% dos alunos de 5ª a 8ª séries e 47% dos do ensino médio disseram ficar sem professores em determinadas disciplinas. As faltas são mais freqüentes no período da tarde. Segundo Chalita, iniciativas como o bônus salarial por freqüência e capacitação de professores têm amenizado o problema, mas ainda não se chegou à situação ideal.

A substituição, segundo ele, na maioria das vezes é imediata e feita por profissionais chamados de eventuais. Eles são orientados para trabalhar com temas transversais, como ética, cidadania e direitos humanos, quando substituem o professor faltoso. ‘Se o substituto entra na matéria do professor, o outro pode não gostar’, diz Sonia Maria.

A pesquisa da secretaria – que traçou o perfil dos estudantes da rede estadual – foi respondida junto com o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) no ano passado. Ela mostra que 76% dos alunos da rede são de famílias das classes C e D. Este ano, o Saresp e o perfil serão aplicados novamente para todos os alunos no dia 25.

Os números revelaram ainda que 71% dos alunos já trabalharam ao chegar ao fim do ensino médio. ‘O trabalho só atrapalha os estudos se a gente deixar’, diz a aluna Ana Carolina Ribeiro. O Saresp não apontou diferenças de desempenho entre alunos trabalhadores e não trabalhadores.