Água, o direito e o dever

Jornal da Tarde - Artigo - Sexta-feira, 5 de março de 2004

sex, 05/03/2004 - 8h56 | Do Portal do Governo

Mauro Guilherme Jardim Arce

Eu poderia utilizar este espaço para atacar as tantas teses que têm sido defendidas por algumas pessoas que parecem ansiosas por racionamento de água ou quaisquer outras medidas restritivas, punitivas. E que não se lembram que, a cada minuto, pode ser muito grave a privação de água, e seu uso para o consumo humano é prioridade constitucional.

Mas não se pode desperdiçar nada calculando não sofrer as conseqüências.

Prefiro repetir aqui, agradecendo a bela mensagem-alerta do papa João Paulo II ao Brasil, que a água, ‘um dom de Deus, é um direito de todos. Como não é um recurso ilimitado, é preciso cuidar dele, dando especial atenção nessas partes do mundo, e não só no Brasil, onde isso ocorre pouco. Seu uso racional exige a colaboração de todos os homens de boa vontade com as autoridades’.

Diante de crises é preciso ser assim, simples e direto – a água é um direito, e seu uso adequado é um dever de cada cidadão.

Por isso, só temos a agradecer, todos, as iniciativas como a da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que elegeu como lema da Campanha da Fraternidade deste ano a preservação da água. A imprensa também tem cumprido generosamente essa obrigação, informando, prestando serviços, denunciando as ações contra o interesse coletivo.

Esse dever do uso racional da água, um bem natural que não fabricamos e temos de encarar como um recurso finito, passa pela responsabilidade da sociedade e pela administração pública.

Mas passa inexoravelmente pelo consumo individual. Há quem continue, hoje, lavando calçadas e carros com água potável. Estes, provavelmente, conseguem perder seis litros de água escovando os dentes, enquanto outros usam menos de um copo de água. A Organização Mundial da Saúde afirma que cada pessoa pode viver com 100 litros diários de água. Se em São Paulo o consumo era de 270 litros por dia, em média, até 1997, e hoje estamos usando 180 litros, por pessoa, ainda há excesso a cortar.

O que a CNBB pretende para o País – a gestão da água pelo poder público e sociedade – é uma política já implantada em São Paulo por meio dos Comitês de Bacias Hidrográficas, e deve amadurecer ainda mais com essa muito bem-vinda e eficiente força de atuação, buscando ações de desenvolvimento com solidariedade. A missão permanente, que é a preservação ambiental com foco principal na melhoria da qualidade de vida do ser humano, é uma diretriz deste governo estadual, que se comprova em ações concretas, por exemplo, no esforço de recuperação de mananciais e nas tentativas, às vezes barradas, de despoluição de rios.

São Paulo foi uma cidade que nasceu dando as costas de suas casas para os rios. E ali jogando lixo não coletado, dejetos orgânicos e industriais.

Parte dessa responsabilidade é das administrações públicas, e o Estado de São Paulo está muito à frente do resto do País na área de saneamento, tratando 62% dos esgotos coletados, contra os 20% do País. O índice paulista é idêntico aos da Itália e França.

A triplicação desse serviço essencial para a vida e saúde pública, realizada nos últimos 9 anos pelo governo estadual, ainda encontra muita incompreensão. Em algumas localidades, há projetos aprovados e recursos destinados para a construção de estações de tratamento de esgotos, mas moradores unidos não permitem que o serviço seja instalado no seu bairro.

Preferem e indicam o bairro do vizinho distante, e vice-versa. Em outros lugares, já há estação pronta há mais de 10 anos, mas o esgoto in natura continua a ser lançado nos cursos de água por falta de ligação das redes municipais.

A ação individual tem influência, e é enorme quando se soma numa região como a metropolitana de São Paulo. A cidade de Paris, superdesenvolvida e de águas tratadas, convive com uma poluição difusa de 30% em seu Rio Sena.

Difusa – que não se sabe de onde vem, como os 120 mil pneus que estão sendo retirados do Rio Tietê, na capital, pelos operários da obra estadual de combate às enchentes.

No Brasil não há falta de água, somos bem aquinhoados no Planeta Azul com aproximadamente 14% da água doce disponível. Há, sim, escassez relativa, porque há menos água doce onde se concentra 80% da população brasileira.

Por isso, o uso racional é fundamental para o abastecimento regular e para o próprio desenvolvimento. É preciso parar de inundar nossas plantações e chegar a métodos mais adequados, que cumpram a necessidade sem desperdício e, menos ainda, sem poluição.

Há quem diga que a água sempre pode ser tratada. Digo que quanto menos ela for maltratada menos recursos serão gastos em sua recuperação, podendo ser direcionados para outras melhorias, necessárias para o cenário exigido de desenvolvimento sustentável.

Mauro Guilherme Jardim Arce é secretário de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento do Estado de São Paulo