Agricultura limpa

O Estado de S.Paulo - Terça-feira, 15 de julho de 2008

ter, 15/07/2008 - 10h49 | Do Portal do Governo

Xico Graziano

O Estado de S.Paulo

O Brasil é campeão mundial no recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos. Frascos usados viram conduítes para fiação elétrica e embalagens para óleo lubrificante. A lei federal estabelece: quem vende o produto agrícola se obriga a receber o vasilhame de volta. Um ovo de Colombo.

Perto de 95% das embalagens colocadas no mercado retornam para 376 locais de recebimento, distribuídos entre 264 postos de coleta e 112 centrais de processamento. O município gaúcho de Dom Pedrito ostenta o recorde nacional, com 98% do volume de embalagens devolvido. No Canadá, o recolhimento atinge 70%, seguido da Alemanha (65%), da Austrália (54%), da França (45%) e dos EUA (20%). Gringos na rabeira, quem diria.

São Paulo lidera a estrutura de reciclagem, mantendo 80 unidades de coleta. Em Mato Grosso, porém, está o maior volume recolhido, respondendo por 23% do total nacional, seguido do Paraná (17,5%), com os paulistas em terceiro (13,9%). Nestes primeiros meses de 2008, Tocantins acelerou seu trabalho, superando em 392% o volume recolhido no ano passado. Em Alagoas, o crescimento anual está em 151%. Na cadeia de distribuição, 2.850 revendedores e cooperativas agropecuárias participam do sistema. O esquema, gerenciado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev), avança na faixa de 8% ao ano. Coisa de agricultura séria.

O Inpev é mantido, basicamente, pelas próprias empresas fabricantes de defensivos. Aqui reside a grande inovação, uma obrigação legal. Põe-se em prática o conceito da co-responsabilidade empresarial, procedimento que na discussão da política nacional de resíduos sólidos está sendo chamado de “logística reversa”. Quem cria o problema que ajude a resolver o assunto. Na agricultura, funciona. E muito bem.

Antes, nas áreas rurais se acumulavam recipientes vazios de agrotóxicos, sem que ninguém soubesse o que fazer com os perigosos trecos. Enterrar era proibido, por causa do risco de contaminar o solo e as águas subterrâneas. Queimar não se podia, embora muitos o fizessem. Centenas de casos de intoxicação se conheciam, advindos do uso de baldes vazios de venenos no fornecimento de água para animais. Até na cozinha do lar se utilizavam as peças, supostamente limpas, de pesticidas. Um pequeno horror.

A lebre foi primeiramente levantada, na década de 80, pela Associação de Engenheiros Agrônomos de São Paulo (Aeasp). Surgiu daí a proposta da “tríplice lavagem”, recomendando aos agricultores que promovam a correta limpeza dos recipientes vazios de agrotóxicos. Depois, já com auxílio das empresas setoriais, montou-se um projeto-piloto nas instalações da Coplana, exemplar cooperativa rural localizada no município de Guariba, interior paulista. Seu presidente, na época, era o brilhante agrônomo Roberto Rodrigues.

Partindo dessas experiências, a proposta evoluiu para uma espécie de acordo coletivo, patrocinado pelo governo federal. Nasceu assim, em 2002, a bem-sucedida legislação. Variados setores da cadeia produtiva se comprometeram a participar da solução do problema: fabricantes, distribuidores, cooperativas, associações de produtores. Campanhas de conscientização foram realizadas. Pegou. Agricultura limpa.

O exemplo que brota do campo bem que poderia servir para a cidade, onde montanhas de lixo, de todos os tipos, se acumulam alhures. Muitos aterros sanitários, quando não configuram fétidos lixões a céu aberto, verdadeiras fábricas de urubus, recebem, desnecessariamente, toneladas de materiais que poderiam ser coletados e reciclados. Não é lixo aquilo que se pode reaproveitar.

Felizmente, na tarefa da limpeza urbana, cresce a coleta seletiva, contando com o fundamental apoio de grupos de catadores de rua. Condomínios e empresas começam a participar da tarefa. Latinhas de alumínio, graças ao bom preço no mercado da reciclagem, se reaproveitam bem. Papel usado também se recolhe, acima do material plástico. Ganha força a reciclagem, é verdade.

Mas já pensou que maravilha seria se, por exemplo, os vendedores de telefone celular fossem obrigados a receber de volta, na loja, o aparelho usado? Junto, os carregadores de baterias. Afinal, cada modelo novo lançado no mercado exige a troca do maldito carregador, sempre diferente um do outro. Gavetas se enchem dessa parafernália eletrônica, fios, tomadas, acumuladores, gerando um estrupício insuportável, que ninguém sabe onde dispor.

A solução virá, por lei ou acordo de conduta, quando funcionar a tal logística reversa. Igual à roça. Quem vende artigo gerador de resíduo sólido que articule uma forma eficiente de livrar a sociedade do problema. Ora, se funciona na agricultura, onde as distâncias são enormes, poderá funcionar muito bem nas cidades. Basta existir vontade coletiva, unindo público e privado, em prol do meio ambiente.

O consumidor consciente gosta da estratégia dos 3 Rs – reduzir, reutilizar, reciclar. Muita coisa, desnecessária, pode ser descartada pelo cidadão no ato do consumo. A sacolinha plástica representa um bom começo. Na padaria, na farmácia, recuse-a. No supermercado, leve sua sacola ecológica. Presentes com caixas enormes, embalagens cheias de inútil rococó, grandiosos convites de casamento, quanta energia se gasta para depois virar lixo. Economia do desperdício.

Campo Limpo. Esse é o nome da fábrica inaugurada em Taubaté em 23 de junho passado, véspera de São João. A agricultura sustentável colocou mais um tijolo em seu bonito edifício. Pioneira no mundo, a empresa passará a produzir embalagens de agrotóxicos a partir da reciclagem de embalagens usadas, de agrotóxicos. Está fechado o ciclo reverso.

Fim da porcaria.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br

Site: www.xicograziano.com.br