Agasalho: doe calor a quem precisa

Jornal da Tarde - Domingo, 27 de junho de 2004

seg, 28/06/2004 - 10h25 | Do Portal do Governo

Coordenada pelo Fundo Social de Solidariedade do governo do Estado, a Campanha do Agasalho tem como missão evitar que a parcela mais carente da população passe frio nos invernos rigorosos. A logística, complexa, conta com milhares de voluntários – muitos deles, um dia, já estiveram do outro lado

MARICI CAPITELLI

Pelas vielas da favela, Gabriel da Silva Machado Ferreira, 4 anos, corria segurando um cobertor cinza empacotado na cabeça. Muitas vezes, ele se abraçava à peça, como se fosse um brinquedo há muito tempo sonhado. E tinha motivos: era o primeiro cobertor que ganhou na vida, o que significaria para ele noites sem frio.
Além do cobertor novo, o menino recebeu também uma sacola com roupas em bom estado.’Havia só um cobertor para a família toda, de quatro pessoas. E ele nem tinha mais roupa de frio que servisse’, disse a mãe, Francisca Maria da Silva, 35 anos.

Gabriel, morador da favela Praça 11, em Ermelino Matarazzo, Zona Leste, é uma das 380 pessoas da comunidade beneficiadas pela Campanha do Agasalho, e uma das milhões em toda a Capital.

Coordenada pelo Fundo Social de Solidariedade do governo do Estado, a campanha envolve uma logística complexa – desde a doação do agasalho até as mãos dos carentes. Entre a arrecadação e a doação, o trabalho tem de ser feito rapidamente para evitar ao máximo que as pessoas carentes passem frio.

Os preparativos começam no auge do verão, em fevereiro, e mobiliza centenas de pessoas, que vão de grandes empresários, estudantes da rede estadual, integrantes do governo do Estado a pessoas simples da sociedade que decidem trabalhar voluntariamente.

Os números da campanha também são grandes. O ano passado foram arrecadadas sete milhões de peças. A expectativa das organizadoras é a de que essa marca seja ultrapassada neste inverno. Só de caixas de papelão para a coleta foram distribuídas mais de 14 mil.

Frio e auto-estima

O eixo da campanha é que as pessoas doem peças em boas condições de uso. Isso porque, por de trás desse trabalho, está a tentativa de recuperar a auto-estima de quem recebe o presente.

‘Mais vale a doação de uma peça em boas condições do que 20 roupas sujas e rasgadas que não podem ser aproveitadas. Queremos que as pessoas doem aqueles agasalhos que elas têm coragem de usar e não os que vão ser jogados fora’, explicou Lu Alckmin, primeira-dama do Estado e presidente do Fundo Social de Solidariedade.

Segundo ela, um dos objetivos da campanha é o de fazer com que as pessoas reflitam sobre a solidariedade: ‘Mais do que o calor da peça é o calor do gesto. É perceber que as pessoas que estão na rua não podem ser vistas como parte da paisagem, como uma situação normal.’
A coordenadora da campanha, Regina Von Christian, afirmou que outra meta não é apenas doar uma blusa para amenizar o frio, mas vestir as pessoas carentes.

‘Queremos vestir as pessoas com peças que combinem, para que elas possam procurar emprego e entrar nos locais sem serem tratadas como mendigas. É um trabalho de recuperação da auto-estima’, ponderou a coordenadora.

Regina acrescentou que a campanha tem o objetivo de que os excluídos possam montar um guarda-roupa de inverno para os anos seguintes. ‘Dessa maneira vão deixando de precisar dos agasalhos a cada ano e, com a auto-estima recuperada, vão encontrando seus caminhos.’
Na avaliação da coordenadora, a campanha tem atendido às necessidades das entidades. ‘A distribuição nas favelas começou recentemente. O que não temos é uma idéia geral da demanda, já que a Cidade é muito grande.’

Forró ‘aqueceu’ carentes

A campanha se baseia principalmente na parceria – seja com a iniciativa privada, estatais, órgãos governamentais ou sociedade civil. ‘Precisamos desses parceiros’, observou Regina.

Dentro desse conceito, o parceiro pode ser a empresa que doa 500 cobertores novos ou um morador que, como no ano passado, fez um forró e arrecadou agasalhos com os amigos. Depois, para surpresa de todos, levou uma pilha de roupas ao Fundo Social de Solidariedade de bicicleta.

Neste ano, outra história comovente: foi montado um posto de arrecadação no cemitério São Luiz, na Zona Sul, onde mora uma população carente. Foram arrecadadas 28 peças em bom estado. ‘Quem vai ao cemitério está passando por um momento difícil de perda. Mas, mesmo assim, as pessoas doaram’, contou a coordenadora.

Entretanto, a melhor propaganda para o aumento da arrecadação é a temperatura. Nos dias frios, chegam até 50 doações via internet. ‘Nada sensibiliza mais do que a continuidade do frio. As pessoas vão ficam frágeis e s solidárias.’

A campanha, que começou em 29 de abril, terminará em 8 de julho. Os primeiros passos para as doações foram dados na década de 50 pela então primeira-dama Leonor Mendes de Barros, que conseguiu roupas com amigos para uma entidade em Campos do Jordão

Maria Inês foi ajudada. Hoje ajuda

Em meio a milhares de agasalhos, as contratadas da Frente de Trabalho do governo do Estado vão separando as peças no depósito do Fundo Social de Solidariedade. Maria Inês de Freitas Lopes, 31 anos, fica emocionada quando vê roupas de crianças em bom estado.

‘Faço a separação dessas peças com muito carinho e meu coração fica feliz’, contou. Afinal, há seis anos foram as doações que aqueceram a sua filha, na época com apenas um ano de idade.

Pernambucana, Maria Inês chegou em São Paulo apenas com uma mala de roupas leves, o marido e a filha Rita de Cássia para tentar a sorte. Quando começou o inverno, ela se surpreendeu com tanto frio.

A família, que não tinha agasalhos suficientes, teve de enfrentar muita privação e medo do futuro.

‘Fiquei desesperada com a possibilidade da minha filha passar frio. Foram dias difíceis que só conseguimos superar porque recebemos agasalhos. Sou muito grata e sei o quanto uma roupa pode ser importante’, afirmou a pernambucana, que conseguiu melhorar de vida e, hoje, mora em Pirituba, na Zona Oeste da Cidade.

‘Dama do frio’ até reza por doações

Ela pode ser chamada de ‘dama do frio’, embora nunca esteja presente quando as doações chegam às mãos dos carentes. Aos 54 anos, a carioca Regina Von Christian é a coordenadora da Campanha do Agasalho, e a mulher que socorre os municípios do Estado de São Paulo.

Nenhum detalhe da campanha escapa aos seus olhos e às suas mãos, que já separaram muitas peças de roupa no depósito.

Falar com ela é difícil. O celular toca sem parar. De fevereiro a julho, vive mergulhada em logística, roupas, busca de parceiros e eventos para arrecadar fundos para a campanha.

Como não é possível saber com antecedência quantas peças serão arrecadadas, é Regina quem toma a difícil decisão de ir liberando as roupas para as entidades, sem a certeza se vão chegar outras peças para as demais instituições cadastradas. ‘Vou um pouco por intuição’, diz.

Em muito momentos, Regina, formada em filosofia, acredita que não vai conseguir os agasalhos suficientes. Então, ela reza para sua santa de devoção, Nossa Senhora de Fátima: ‘E ela nunca me abandona. As doações acabam aparecendo.’