A saúde precisa de mais

O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto - 29/10/2003

qua, 29/10/2003 - 9h26 | Do Portal do Governo

Luiz Roberto Barradas Barata


Há dias, a imprensa revelou que as despesas do setor público com o pagamento de juros entre janeiro e agosto deste ano chegaram a incríveis R$ 102,4 bilhões, o que representa 10,2 % do produto interno bruto (PIB). As cifras são 68% superiores ao gasto registrado em igual período de 2002 – R$ 60,6 bilhões – e correspondem a mais de 60 vezes o orçamento do programa Fome Zero, o principal projeto social do governo Lula.

Discussões econômicas e teses acadêmicas à parte, o fato é que o total empenhado com o pagamento de juros vem sacrificando, em demasia, as áreas sociais e produtivas do País. Que o digam aqueles que lutam incessantemente pelo aumento do financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) como elemento essencial para que a população brasileira possa viver mais e melhor.

Senão, vejamos. Quando o ex-ministro Adib Jatene, sensível à caótica situação da saúde – cujos serviços sofriam pela insuficiência de financiamento público – propôs a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), havia uma intenção muito clara, concreta e correta: injetar recursos substanciais para o custeio da saúde.

Aprovado o projeto pelo Congresso Nacional, a equipe econômica do governo trocou os pés pelas mãos, retirando do orçamento anual da pasta da Saúde parte do valor arrecadado pela CPMF. Em suma, não houve o incremento desejado e necessário e, em que pesem os constantes embates de Jatene com a área econômica, ficou a impressão de que a CPMF havia sido um engodo.

Tempos depois, José Serra, nomeado ministro da Saúde e também preocupado com a injeção de recursos adicionais para o SUS, conseguiu uma grande vitória ao aprovar a Emenda Constitucional n.º 29, que prevê a vinculação e o aumento progressivo das verbas orçamentárias para a saúde destinadas pela União, pelos Estados e municípios.

Para o governo federal, a emenda estabeleceu a obrigatoriedade de aplicar, em saúde, o mesmo valor do ano anterior, acrescido da variação do PIB.

Estados e municípios ficaram comprometidos a ampliar, ano a ano, até 2004, a vinculação de suas receitas orçamentárias para a área da saúde, chegando aos porcentuais de 12% e 15%, respectivamente.

Nesse sentido, cabe aqui um parêntese para ressaltar a postura do Estado de São Paulo, que vem aplicando em saúde mais do que o mínimo determinado pela Emenda n.º 29. Em 2002, por exemplo, foram destinados à pasta da saúde 11,4 % da receita líquida estadual, 1,9 ponto porcentual mais do que o previsto por lei. Os gastos próprios com saúde no Estado passaram de R$ 71 por habitante em 2000 para R$ 101 no ano passado, garantindo o financiamento dos hospitais universitários, assistência farmacêutica de qualidade, auxílio às Santas Casas e entidades filantrópicas, além do repasse de recursos aos municípios para construção, reforma e ampliações de suas unidades de saúde.

Apesar de todos os esforços, é notória a necessidade de ampliarmos o volume de recursos destinados ao financiamento do SUS. Até porque o cenário de retração econômica tem gerado demandas crescentes na rede pública, uma vez que o desemprego impede o cidadão de pagar um plano de saúde para toda a sua família. Com uma agravante: além do excesso de pacientes, o SUS mantém uma tabela de pagamentos com valores aquém do custo de consultas, exames e cirurgias, o que contribui para o agravamento da situação financeira de diversos hospitais que atendem pelo sistema.

Diante desse quadro, são absolutamente impensáveis e incabíveis, sob pena de ocasionar a falência irremediável do SUS, as conseqüências da atual proposta orçamentária federal, que pretende retirar, em 2004, outros R$ 3,5 bilhões da área da saúde, para destiná-los ao programa Fome Zero.

Indubitavelmente, iniciativas como o Fome Zero devem ser apoiadas e elogiadas. Merecem, inclusive, incremento de recursos. O que causa espanto é constatar que o governo prefere, para isso, transferir verbas da saúde a puxar o freio do pagamento de juros. Acreditamos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um político reconhecido por sua luta em prol do social, não esteja sendo devidamente informado sobre as reais intenções de sua equipe econômica.

Como tem sido reiterado por Adib Jatene, e sustentou o presidente Lula em sua campanha de 2002, o oposto do medo são a fé e a esperança. Não podemos, portanto, tirar do cidadão a esperança de que a saúde pública vai melhorar.

Retirar recursos da área da saúde significa, em última análise, menos remédios, menos exames, menos cirurgias, menos médicos da família, enfim, menos atendimentos pelo SUS.

E a saúde, em nosso país, definitivamente precisa de mais.

Luiz Roberto Barradas Barata, médico sanitarista, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo