A progressão continuada e autoconfiança do aprendiz

A Tribuna - 14/5/2002

ter, 14/05/2002 - 11h11 | Do Portal do Governo

Os modelos ultrapassados de ensino não têm mais lugar na sociedade competitiva e individualista do século XXI. A Era da Informação e do Conhecimento não condiz com a massacrante e antiquada educação elitista que promovia alunos ‘intelectualmente mais capazes’ e excluía estudantes tachados como ‘problemáticos’ por meio das repetências contínuas. Era um sistema castrador que eximia de si a responsabilidade de formar indivíduos de forma igualitária e condizente com a realidade democrática vigente.

O acesso à educação é um direito constitucional e vinha sendo negado e negligenciado por meio da evasão escolar provocada pela multirrepetência existente no país até há poucos anos. Paulo Freire já dizia uma verdade na qual também nos pautamos em nosso trabalho: ‘Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo. Por isso, aprendemos sempre.’

A instituição do Sistema de Progressão Continuada prevista pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-1996) objetiva justamente a aplicação de metodologias diferenciadas que garantam ao aluno o direito ao aprendizado, a construção de sua auto-estima e o respeito pela sua maneira peculiar de assimilação de conteúdos. Por intermédio da implementação dessa mudança, alunos e professores tornaram-se as figuras centrais do processo educativo. Agora, o sucesso de ambos é interdependente.

As formas de aplicação dessa nova iniciativa de maneira bem-sucedida também estão presentes no texto da nova LDB. São elas: ampliação da jornada escolar, a recuperação paralela e contínua dos alunos com dificuldades de aprendizagem, as horas de trabalho coletivo remunerado do professor para avaliação e capacitação; a proposta de esquemas de aceleração de aprendizagem para alunos multirrepetentes com grande defasagem idade/série; além do direito à reclassificação de estudos para todos aqueles que conseguiram aprender, independentemente da freqüência às escolas.

É uma proposta revolucionária uma vez que implica a atuação comprometida do corpo docente em relação aos estudantes, por meio de um sistema de avaliação detalhado e criterioso. Hoje, professores, diretores e coordenadores pedagógicos assumem uma postura responsável em relação ao sucesso ou fracasso do aluno. O acompanhamento é realizado durante todo o ano, evitando que a evolução do aprendiz seja prejudicada. Antes, apenas o aluno sofria a cobrança pelo seu mau desempenho nos bancos escolares. As avaliações eram deficientes. Muitas vezes, a criança chegava a ser penalizada com a repetência por conta de um décimo em determinada disciplina. Cabia ao estudante refazer a série novamente, mesmo que tivesse se saído bem em todas as outras matérias.

Hoje a situação é outra. A criação das medidas decorrentes da progressão continuada já provocou uma mudança significativa no tangente à redução das taxas de evasão escolar. Desde a década de 50, os índices de desistência chegavam a atingir 50% da população escolar. Um número absurdo mas, ao mesmo tempo, ignorado pelas autoridades, que nada faziam para reverter o quadro. O abandono acontecia após anos de permanência da criança na mesma série. Ninguém parecia importar-se com esses alunos. Qual era a lógica dessa sistemática? A resposta possivelmente estava em uma palavra: comodismo. Um comodismo oneroso que levou ao desperdício de milhões para os cofres públicos uma vez que produziu gerações despreparadas para o mercado de trabalho e para a vida em sociedade de maneira geral.

Há tempos o sistema educacional brasileiro carecia ser revisto. A proposta de democratização do saber ganhou força desde a Revolução Francesa e a partir das mudanças ocorridas no século XX fez-se ainda mais necessária e urgente. A pedagogia moderna deve assegurar, em primeira instância, a formação de cidadãos dotados de visão crítica, de criatividade, de capacidade de contestação e argumentação. Pessoas intelectual e emocionalmente capazes de atuarem como agentes sociais competentes e participantes.

Não podemos retroceder. Na maioria dos países tidos como desenvolvidos, a escola já abandonou o velho ranço autoritário desde os anos 50, após o advento da Segunda Guerra Mundial. Nesse período, a progressão continuada já era aplicada objetivando respeitar uma característica natural do ser humano: desenvolver-se no seu tempo e ritmo próprios.

Sabemos que ainda há ajustes a serem feitos. Grandes mudanças e transições não se dão de um dia para o outro. Mas temos certeza de que estamos trilhando o caminho certo: o caminho da educação como condição primordial para o desenvolvimento do ser humano. Passo a passo construiremos uma nova história. Temos o aval de Clarice Lispector quando disse: ‘Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.’

Gabriel Chalita
Secretário de Educação do Estado de São Paulo