A luta pelo Barro Branco

Jornal da Tarde - Domingo, 23 de novembro de 2008

dom, 23/11/2008 - 15h43 | Do Portal do Governo

Jornal da Tarde – Domingo, 23 de novembro de 2008

Hoje, 138.242 candidatos iniciam a disputa pelas 10.707 vagas oferecidas no vestibular da Fuvest, o mais concorrido do Brasil. Desse total, apenas 50 são destinados à Academia do Barro Branco, curso que forma os oficiais da Polícia Militar e que tem a maior disputa: 618 mulheres estão na briga por 15 vagas, enquanto 2.621 homens concorrem às outras 35.

Não são apenas filhos de militares que buscam a carreira. Keyla Lai Yen Tsai tem 22 anos, estudou em um colégio particular tradicional no ABC e é filha caçula de uma psicopedagoga e um engenheiro. O tipo ‘mignon’ e os traços delicados do rosto combinam com o tom de voz baixo e doce. À primeira vista, é difícil acreditar , mas essa menina, que escolheu a carreira ao ler o manual da Fuvest quando tinha 17 anos, quer atuar no policiamento de São Paulo e está prestes a pegar o diploma de oficial da PM.

Unhas pintadas de rosa, nunca mais. Só vermelho ou branco, já que essa é uma das exigências para as mulheres, minoria entre os alunos que estudam na Academia do Barro Branco – que forma oficiais para atuar no policiamento nas unidades de choque, rodoviário, ambiental e radiopatrulha aérea.

Os estudantes moram por dois ou quatro anos na academia, recebem atendimento médico, salário que gira em torno de R$ 2 mil, dividem alojamento com 14 pessoas, têm aulas teóricas puxadas, como direito constitucional, e são submetidos a atividades físicas diárias, como cavalaria e tiro. A conduta é monitorada por 24 horas.

Os horários são rígidos. O dia começa com uma revista às 6h. Todos têm de estar de pé para não levar advertência. A cada duas ‘canetadas’, ficam proibidos de visitar a família no fim de semana. Em menos de uma hora a farda tem de estar passada, as mulheres com rabo-de-cavalo e cama arrumada. Não de qualquer jeito, e sim com a manta esticada sobre os lençóis.

Apesar de saber do risco que vão correr nas ruas após a conclusão do curso, o lugar de Keyla é cobiçado pelas 618 mulheres que iniciam hoje o vestibular.

Mas por que uma profissão de risco atrai jovens cujo desempenho na Fuvest poderia garantir uma vaga nos tradicionais cursos de Direito ou Medicina? Keyla explica: “Basicamente é poder comandar homens que serão responsáveis por servir a sociedade”. Mas e o risco? “Quando a gente se esforça para garantir a vaga do Barro Branco já sabe dos riscos que vai enfrentar, e o curso prepara a gente para isso.”

Tamanha determinação não tirou o posto de caçula querida da família de descendentes chineses, apesar de agora ela manusear uma arma com a mesma facilidade com que passa o batom nos lábios. “Quando falei para meu pai que faria Barro Branco ele não gostou da idéia, mas aos poucos teve de aceitar”, disse a estudante.

Rotina ‘de quartel’ não desanima os candidatos

06:00

Primeira revista.Todos de pé para o preparo do fardamento, café e arrumação de camas

07:10

Bom dia ao comandante. Alunos cantam o Hino Nacional e fazem desfile de continência

07:40

Aulas. Em grupos mistos, estudantes iniciam a manhã de atividades teóricas ou práticas

12:25

Almoço. É supervisionado por uma nutricionista. É proibido sair do prédio da academia

14:15

Retorno. Após a pausa do almoço, alunos seguem na rotina de aulas práticas ou teóricas

PROFISSÃO DE RISCO

A cada quatro dias, um PM é assassinado em serviço ou em folga no Estado. Foram 719 casos nos últimos sete anos e meio. Só no primeiro semestre deste ano, 8% das vítimas de latrocínio (roubo seguido de morte) eram policiais. As 719 baixas equivalem a cinco companhias da PM. Desse total, 503 foram mortos em folga e 216 em serviço O ano de 2004 foi o recordista no número de militares assassinados fora de serviço. Foram 81 vítimas

Já 2001 liderou as mortes de PMs em serviço. Foram 41 casos. As 503 mortes de PMs em folga nos últimos sete anos e meio representam 70% dos 719 assassinatos