A língua entra no museu

O Estado de S.Paulo - Terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

ter, 14/02/2006 - 18h45 | Do Portal do Governo



 


A língua entra no museu


No mês que vem, a Estação da Luz, no centro de São Paulo, vira ponto de encontro de interessados na origem e evolução da língua portuguesa



Antonio Gonçalves Filho


A partir de 20 de março, os usuários da Estação da Luz não vão prestar atenção só aos horários dos trens. Dos números eles vão passar às palavras na Estação da Luz da Nossa Língua, espaço eclético originalmente concebido como um museu da língua portuguesa e transformado num projeto multimídia para uso de pesquisadores da academia e também para os que nunca chegaram perto dela.

Nove parceiros se juntaram para concretizar o projeto de US$ 36 milhões. Capitaneado pela Fundação Roberto Marinho e Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo com apoio da lei de incentivo à cultura, a Estação é fruto de um trabalho conjunto do Ministério da Cultura, IBM Brasil, Correios, TV Globo, Petrobrás, Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Vivo, Eletropaulo, Votorantim e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Para dirigir o museu foi escolhida a cientista social e cineasta pernambucana Isa Grinspum Ferraz, autora de um elogiado documentário baseado na obra do antropólogo Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro. Essa sua experiência foi fundamental para criar o espaço em que 23 especialistas se reuniram com o desafio de atender a um público formado por pessoas de diversas idades, profissões e nível cultural. A adaptação de Darcy Ribeiro traduziu o texto do antropólogo para uma linguagem acessível ao grande público. Já o museu vai colocar a obra dos maiores escritores ao alcance de todos, além de se apresentar como um laboratório experimental da língua.

A democratização literária começa com uma exposição temporária que vai celebrar os 50 anos do clássico Grande Sertão: Veredas, do escritor mineiro Guimarães Rosa (1908-1967). Para interpretar a obra foi convidada a diretora de teatro e cineasta Bia Lessa (Credeme e Maria, este último em fase de finalização). Ela armou uma instalação num dos três andares da Estação da Luz da Nossa Língua, que ocupa parte do prédio restaurado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, também autor do projeto de reforma da Pinacoteca do Estado.

“Não queria fazer uma exposição didática, mas entrar na obra de Guimarães Rosa, mostrando ao espectador o processo de construção da linguagem”, explica a diretora. Fiel às suas montagens polêmicas – Bia Lessa fez a cenografia do segmento barroco na Mostra do Redescobrimento, que comemorou os 500 anos do Brasil na Bienal, onde usou milhares de flores encobrindo os santos -, ela reproduziu o texto de Grande Sertão: Veredas na íntegra. Mas não só em folhas de papel. Tijolos e até pastilhas vitrificadas dentro de um banheiro foram usados. Ela recorreu a uma edição fac-similar do texto datilografado e corrigido pelo próprio Guimarães Rosa, raridade pertencente ao bibliófilo José Mindlin, grande incentivador do projeto. “O visitante poderá puxar cada uma das páginas que têm como contrapeso um saco da terra de Rosa”, explica a diretora.

Projetado como um museu para ensinar e motivar o usuário, a Estação ocupa a ala leste do centenário prédio da Luz, no centro de São Paulo. Logo na entrada, o visitante é convidado a interagir com o espaço. Os elevadores panorâmicos permitem acompanhar a evolução da língua por meio de uma árvore genealógica, instalação formada por palavras trazidas pelos povos que contribuíram para formar o português do Brasil.

Os elevadores são uma espécie de ante-sala da Galeria das Influências, 12 “lanternas” que, usando recursos audiovisuais, disponibilizam jogos e brincadeiras com a língua, expondo ao mesmo tempo as influências que ela sofreu das culturas africanas e ameríndias. Antes de passar ao terceiro pavimento, onde está instalado o auditório e a Praça da Língua, o visitante é brindado com 12 filmes projetados numa tela gigantesca de 120 metros, espécie de mural em movimento que mostra costumes, festas populares e aspectos culturais de diversas regiões do Brasil.

Dos 12 filmes temáticos, um já está praticamente concluído. Seu tema é a religião e foi dirigido por Marcello Dantas, diretor artístico do projeto Estação da Luz da Nossa Língua. Além dele, estão envolvidos profissionais de diversas áreas, de professores universitários as compositores como José Miguel Wisnik e Arnaldo Antunes, passando por antropólogos (Antonio Risério) e homens de televisão como Marcelo Tas, além de doutores em letras como Mário Viaro, convocado para bolar os jogos lingüísticos da Mesa de Etimologia, destinada a criar novas palavras para futuros dicionários.

O projeto museográfico da Estação foi desenvolvido com a supervisão de Ralph Appelbaum, um dos grandes especialista da área em todo o mundo (são dele os projetos do museu do Holocausto de Washington e a sala de biodiversidade do Museu de História Natural de Nova York). Appelbaum foi auxiliado na tarefa pelo arquiteto Vasco Caldeira e o designer Rico Lins. Gerente geral da Fundação Roberto Marinho, Sílvia Singerut explica que, durante o processo, o projeto sofreu várias modificações, de modo a incorporar idéias que surgiram pelo caminho, como a Praça da Língua, onde o público poderá descobrir, em menos de uma hora, algumas pérolas da literatura brasileira selecionadas por Wisnik e o jornalista Arthur Nestrowski, de textos populares a clássicos. Por enquanto, segundo Sílvia Singerut, não está decidido o calendário das próximas exposições temporárias. “Um conselho consultivo permanente vai decidir a programação”, diz. A exposição de Guimarães Rosa deverá permanecer por pelo menos cinco meses na Estação.

Em todo o mundo, 270 milhões de pessoas falam português. Graças à pesquisa coordenada pela historiadora paulista Ana Helena Curti, foi possível chegar a mapas, infografias e documentos que ajudam o visitante a descobrir não só a origem de uma palavra como onde e quando ela começou a ser usada.