A imagem, o som e a fúria

Folha de S. Paulo - 5/9/2003

sex, 05/09/2003 - 9h19 | Do Portal do Governo

Por Cláudia Costina *


Folha de S. Paulo – Tendências/Debates – Sexta-feira, 5 de setembro de 2003

Em um livro instigante do final dos anos 20, ‘O Som e a Fúria’, segundo romance de uma formidável coleção composta por 13 livros, William Faulkner descreve quatro relatos sobre um mesmo episódio vivido por personagens diferentes, entre eles um portador de deficiência mental. A leitura da realidade por esses atores com capacidades tão distintas de interpretação lembra o olhar de cada uma das linguagens artísticas. O cinema, a fotografia, a música e a televisão se debruçam sobre a vida e seu potencial de gerar questões e dialogam com todos os sentidos, usando os mais variados signos e significantes.
E é a possibilidade de explicitação e integração dessas leituras que inspira o novo projeto do MIS (Museu da Imagem e do Som), um espaço que pretende abrigar a ‘fúria’ criativa e de fruição cultural da juventude.

Tradicional casa do audiovisual paulista, o MIS está de portas abertas novamente, sob a direção do crítico de cinema Amir Labaki. Sua reabertura, longe de marcar apenas mais uma reforma de museu (afinal, elas têm de acontecer de tempos em tempos), tem múltiplos significados dentro da atual gestão da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

Reabrir o MIS significa devolver à população um de seus mais importantes museus: um espaço responsável pela formação visual de diversas gerações de cineastas e que, nas décadas de 80 e 90, foi marcado por uma intensa atividade, sendo um dos pontos de referência do circuito cultural paulistano.

Muitos dos atuais diretores paulistas, como Beto Brant (‘O Invasor’), Laís Bodanzky (‘Bicho de Sete Cabeças’) e Tata Amaral (‘Um Céu de Estrelas’), tiveram seu aprendizado cinematográfico ligado às atividades do museu. Ali puderam acompanhar trabalhos experimentais em diferentes mídias, ter acesso a experiências gestadas no exterior, debater com outros profissionais seus métodos de trabalho e, finalmente, exibir suas primeiras produções.

Em menor escala, o mesmo aconteceu com diversos produtores de vídeo e fotógrafos, que também tiveram no museu um centro de estudos e um espaço para alavancar suas carreiras -casos de Eduardo Castanho, Cassio Vasconcellos e Cris Bierrenbach. De exposições de fotógrafos consagrados a holografias e às primeiras experiências artísticas com informática e técnicas digitais, o museu apresentou à população paulista uma amostra bastante representativa dos principais trabalhos audiovisuais produzidos no Brasil e no exterior.

A recuperação das atividades tradicionais do museu (apresentação de filmes, vídeos e exposições fotográficas) e o trabalho mais sistemático que será desenvolvido com mídia-arte e televisão significam, assim, a retomada de um espaço vivo de reflexão, que certamente será decisivo para estimular e formar o trabalho das futuras gerações do audiovisual.

Além disso, a reabertura vem acompanhada da formação, nas próximas semanas, do Conselho Paulista de Cinema, órgão destinado a organizar as atividades cinematográficas no Estado. Com representantes de ao menos três secretarias de Estado e de profissionais ligados às diferentes fases da cadeia produtiva, o conselho será responsável por estabelecer uma política para o cinema paulista capaz de torná-lo mais resistente aos efeitos das inevitáveis crises que afetam o mercado. Do estímulo a jovens cineastas, passando pela produção, exibição e formação de público, a idéia é que o conselho atue de forma integrada, ajudando a dar uma estrutura mais consistente à atividade cinematográfica.

A retomada das atividades do MIS também terá grande importância dentro da atual política de interiorização da cultura. A idéia é que parte do riquíssimo acervo de imagens do museu não fique restrita apenas ao público paulistano, justamente aquele que tem maior acesso à produção cultural. O interior de São Paulo é hoje o segundo ou terceiro maior Estado do país, mas a disponibilidade de bens culturais não acompanha essa pujança econômica. É fundamental, portanto, que um acervo que é público possa ser exibido não apenas no museu de origem, mas levado para diferentes regiões, sempre com a preocupação de que sejam mantidas condições ideais de segurança e preservação.

Outro ponto a ser destacado é o fortalecimento das parcerias com o setor privado. Em uma época marcada em todo o mundo pela revisão do papel do Estado, tem se firmado a idéia de que é fundamental o estabelecimento de modelos de gestão que incluam a iniciativa privada. A recuperação do MIS já contou com a participação de diversas empresas que forneceram piso, tinta e iluminação para o museu. Como se trata de um espaço diretamente ligado à tecnologia, esperamos nos próximos meses ampliar essas parcerias e também levá-las a outros museus da secretaria.

É, portanto, um grande orgulho poder devolver aos ‘furiosos’ produtores de vídeo, fotógrafos, cineastas e a toda a população paulista um museu que sempre foi vivo e atuante. Podem voltar ao MIS. As portas já estão abertas.


* Cláudia Costin, 47, mestre em economia pela Escola de Administração da FGV-SP, é secretária da Cultura do Estado de São Paulo. Foi ministra da Administração Federal (governo Fernando Henrique).