A estratégica produção de alimentos

O Estado de S. Paulo

qua, 04/11/2009 - 8h18 | Do Portal do Governo

Após a Semana Mundial da Alimentação (12 a 16 de outubro), não há muito o que comemorar. Estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que a fome atinge 1,02 bilhão de seres humanos. As pessoas submetidas à insegurança alimentar são 53 milhões na América Latina e Caribe; 42 milhões no Oriente Médio e Norte da África; 15 milhões em países ricos; 642 milhões na Ásia e no Pacífico; e 265 milhões na África subsaariana. 

Os números constam do novíssimo estudo Insegurança Alimentar no Mundo, divulgado em Roma, na sede da FAO, onde esta celebrou seu 64º aniversário (foi fundada em 16 de outubro de 1945). O conteúdo do relatório é consistente subsídio para a Conferência Mundial que a entidade realizará de 18 a 23 de novembro, com o propósito de buscar soluções. É decisivo inverter a atual curva decrescente da ajuda oficial ao desenvolvimento da agropecuária, que caiu 58% entre 1980 e 2005. Estes dados sugerem que o planeta está carente de estadistas… 

Para o atendimento à prioridade de combate à fome, considerando-se o atual contingente de pessoas submetidas à insegurança alimentar e a prevenção quanto ao futuro, a FAO indica ser necessário investimento anual de US$ 83 bilhões no agronegócio em países em desenvolvimento, de hoje até 2050. O mundo terá nesse ano, estima-se, 9,1 bilhões de habitantes, cerca de 3 bilhões a mais em relação a 2009. 

De nada adianta produzir estudos aprofundados e exatos em seus diagnósticos se o conhecimento não for traduzido em ações concretas. Esse é um alerta a ser considerado no Brasil, que tem no aspecto da produção de alimentos grande responsabilidade ante o seu povo e os habitantes da Terra. Afinal, é a nação com a maior área agricultável disponível, as melhores condições de clima e de solo e uma agropecuária muito competente. 

Tal posição, contudo, não deve ser encarada como se fosse um oneroso compromisso, mas, sim, como real oportunidade de fazer valer essa imensa capacidade como diferencial competitivo. No entanto estamos perdendo tempo, pois se nota a carência, no âmbito do governo federal, de um olhar mais amplo quanto à conjuntura. Brasília parece ignorar que o setor rural se tornou o principal cacife do País. Nossas melhores perspectivas de ascender ao Primeiro Mundo se encontram na elevada capacidade de fornecer alimentos e atender à demanda de combustíveis renováveis e menos poluentes. Desse modo, é incompreensível a precariedade das políticas públicas voltadas ao campo, incluindo inaceitáveis problemas quanto ao crédito agrícola e seguro rural, total desconsideração com a crescente dívida dos produtores, insegurança física e jurídica das propriedades produtivas e fragilidade de iniciativas mais focadas na produção de alimentos. 

Em paralelo a esses gargalos, é imprescindível, por exemplo, acabar com a anacrônica dicotomia entre a agricultura familiar (vocacionada à cultura de produtos alimentícios) e a empresarial (mais focada nas commodities e biocombustíveis). É importante entender que ambas são decisivas para o Brasil. Porém, os pequenos produtores precisam de mais assistência técnica, financiamento, melhoria da produção e capacitação profissional. A fragilidade do apoio que recebem não estaria na base das causas da baixíssima produtividade das propriedades resultantes da reforma agrária, apontada pela pesquisa que acaba de ser divulgada pelo Ibope? Mais do que reações emocionais, como se verificaram no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios, o relatório deveria suscitar séria reflexão… 

É espantoso que os dados divulgados pela FAO e outros organismos multilaterais passem despercebidos. Será que ninguém do governo federal se deu conta de que tais informações implicam um planejamento estratégico do agronegócio? É como se este não fosse um grande trunfo econômico e o principal responsável pelo superávit de nossa balança comercial, 17% dos empregos e mais de 30% do PIB nacional. O mundo está em alerta quanto à fome, conforme se verificou na celebração da Semana e o Dia Mundial do Meio Ambiente (16 de outubro). E o Brasil? 

João Sampaio é secretário de Agricultura e Abastecimento