A emoção de Penderecki, sem exageros

O Estado de São Paulo - Terça-feira, dia 27 de junho de 2006

ter, 27/06/2006 - 10h11 | Do Portal do Governo

Osesp revela com maestria ao público o trabalho do compositor polonês

“Ainda há muita música boa a ser composta em dó maior”, dizia Schõnberg no final da vida. Os Sete Portões de Jerusalém, de Krysztof Penderecki, que o maestro John Neschling revelou a nosso público, quinta-feira, na Sala São Paulo, confirma essa máxima. Uma das grandes virtudes da peça livremente tonal é, sendo de escrita moderna, manter-se perfeitamente acessível ao ouvinte.

O número 7 tem um significado simbólico, nessa grande sinfonia coral, de que a Osesp ofereceu uma leitura magnífica. Dentro dos sete movimentos – com textos bíblicos, dos salmos e dos profetas, alusivos ao ciclo da morte e da ressurreição -, há uma série de relações melódicas, rítmicas e harmônicas baseadas em variações sobre o número sete, que amarram e unificam uma peça que oferece diversas simetrias estruturais. O clímax da obra está no sexto movimento, o texto da profecia de Ezequiel sobre a promessa da ressurreição das ossadas humanas dissecadas – que Penderecki, nesta peça escrita para Israel em 1997, associa à idéia da ressurreição do povo judeu após o Holocausto. Esse texto, dito em hebraico no original, foi lido em português pelo narrador. Esta é uma decisão sujeita a discussão, porém bem-intencionada: perde-se o sabor específico trazido pelas sonoridades da língua do profeta, mas ganha-se em termos da compreensão do público.

Foi notável o controle que Neschling exerceu sobre as massas imponentes mobilizadas por Penderecki na obra: cinco solistas, coro duplo, enorme conjunto de percussões e dois grupos de sopros, um no palco, o outro na última fila da galeria do coro, o que cria um belo efeito de ampliação do campo sonoro. A alternância espontânea de passagens líricas e intensamente dramáticas apoiou-se num extremo equilíbrio entre o desempenho instrumental e vocal, dando à obra a dose exata de ênfase, sem derramamentos ou exageros retóricos.

O timbre do tenor Adam Zdunikowski é bonito, seu canto é refinado, mas ele tende a perder-se um pouco, às vezes, em meio à orquestra, um problema de volume que não tem o seu colega de naipe masculino, o baixo Piotr Nowacki. E muito menos o impressionante trio de vozes femininas. Com o registro mais lírico e aveludado de Iwona Hossa, contrasta a voz imensa e muito extensa de Izabella Klosinska. Seu timbre mais áspero, de sonoridades angulosas, é ideal para as passagens que requerem maior vibração dramática. A elas se juntou a voz cálida, de graves redondos, de Jadwiga Rappé.

A esse bom quinteto solista veio juntar-se o competentíssimo Coro da Osesp, sempre capaz de extrair das partituras que canta os efeitos mais eletrizantes: prova disso é o De Profundis, do salmo 129, que faz do terceiro movimento uma das passagens mais emocionantes da obra. Esta sinfonia, da qual o coro é a espinha dorsal, não se manteria de pé sem a excelência dos cantores comandados por Naomi Munakata.

À importância que é trazer para o nosso público essa composição fundamental do fim do século 20, juntou-se, na primeira parte do concerto, a de ver um grupo de instrumentistas de cordas e sopros – sem maestro, apenas liderados pelo spalla Emanuelle Baldini – fazer uma leitura límpida, transparente, extremamente elegante do Divertimento nº 7 em Ré maior KV 205, de Mozart. A interação entre os músicos, a precisão dos ataques, a espontaneidade e fluência das inflexões expressivas na realização dessa música cheia de alegria é mais uma confirmação do grau de maturidade a que chegou a Osesp.