A descoberta instrumental e estética do mundo

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Segunda-feira, 29 de novembro de 2004

seg, 29/11/2004 - 8h59 | Do Portal do Governo

Em exposição, objetos, mapas e livros que desvendam a relação do homem português do século 18 com a ciência

Maria Hirszman

Mais de 200 objetos, gravuras, livros e móveis, em sua maioria, trazidos de Portugal, revelam a partir de hoje na Pinacoteca do Estado um universo científico e estético bastante distante do que hoje consideramos como sendo o universo de aferição científica. Numa rara e fascinante aproximação entre prazer visual e ânsia por conhecimento, os instrumentos reunidos na exposição Laboratório do Mundo traça uma espécie de resumo do mundo iluminista do século 18.

Pertencentes ao Departamento de Física da Universidade de Coimbra – que possui cerca de 3 mil peças -, os instrumentos trazidos para essa mostra brasileira foram usados como material de ensino na Universidade de Coimbra (foram adquiridos inicialmente pelo Colégio Real de Nobres de Lisboa, como mostram alguns dos monogramas gravados nas peças, e posteriormente transferidos para lá). E hoje constituem importante material de pesquisa para que se conheça um pouco mais sobre as pesquisas científicas, num tempo em que ainda nem se falava da física como domínio de conhecimento separado da filosofia. Segundo a comissária da mostra e diretora do Museu de Física, Ermelinda Antunes, esta é seguramente uma das mais ricas e completas coleções universitárias do mundo.

A essa seleção se somam elementos cedidos pelos observatórios astronômicos e bibliotecas do Brasil e de Portugal, que cederam gravuras e desenhos que permitem descobrir a origem, o uso e a forma original de alguns dos elementos expostos. É o caso, por exemplo, de um objeto utilizado para realizar a Experiência de Magdeburgo, para provar que a pressão atmosférica se exerce em todos os sentidos. Ela será exibida ao lado de uma ilustração detalhada do uso da engenhoca, mostrando seu uso na prática.

O rica elaboração dos instrumentos é tão impressionante que muitas vezes ficamos na dúvida sobre sua aplicação. É o caso, por exemplo, de uma dupla de peneiras sustentadas por anjos dourados tão sofisticados que esquecemos seu fim prosaico.

Há também outros ‘acepipes’, como definem os organizadores portugueses. Entre eles estão os exemplares de lanternas mágicas, predecessores dos slides e do cinema, ou o fascinante trono usado por d. João VI no fim da vida para driblar a surdez que o atingia. Nos braços do móvel, dois leões de boca aberta captavam o som emitido pelo súdito de joelhos. O espaldar da poltrona é uma caixa acústica e o rei podia ouvir as comunicações através de um precário fone de ouvido. Infelizmente a peça, adquirida em leilão por colecionador português, não está com o estofamento original.

Centrada nos Setecentos, mas entrando um pouco nos séculos 17 e 19, a mostra não segue uma ordem cronológica. A montagem foi concebida a partir de quatro núcleos de conhecimento que se desdobram paralelamente: Iluminismo e Cultura Científica (pré-reforma pombalina), Arquitetura da Ciência, Instrumentos – Ciência em Movimento e Novas Fronteiras do Olhar. Este último propõe um diálogo entre o que ocorria simultaneamente no Brasil e em Portugal, contextualizando melhor a história para o público a qual a mostra se destina.

A mostra abre possibilidades para ampliar a discussão sobre o período pombalino e seus efeitos na situação brasileira, graças ao ciclo de palestras organizado em parceria com a Cátedra Jaime Cortesão, da USP. Entre os dias 7 e 16, temas como As Fronteiras do Brasil no Século das Luzes e Ciência & Império ou Trajetórias de Ilustrados Luso-Americanos serão debatidos por especialistas. Quem quiser saber mais sobre o período e a personalidade do célebre ministro de d. José I pode recorrer à sua biografia, O Marquês de Pombal e a Sua Época, de João Lúcio de Azevedo, publicada recentemente pela Alameda Casa Editorial (400 págs., R$ 54).

Laboratório do Mundo. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, tel. 3229-9844. 10h/17h30 (fecha segunda). R$ 4 (sábado grátis). Até 13/3/2005. Abertura amanhã.