A defesa do Código Florestal nas áreas urbanas

Correio Brasiliense - Brasília - Quarta-feira, 4 de agosto de 2004

qua, 04/08/2004 - 9h59 | Do Portal do Governo

José Goldemberg – Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
Sílvia Helena N. Nascimeto – Procuradora do Estado de São Paulo, chefe da Consultoria Jurídica da Secretaria do Meio Ambiente

Foi com grande preocupação que a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo tomou conhecimento da aprovação do Projeto de Lei nº 47/2004 no Senado Federal, aos 8 de julho de 2004, que dispõe, dentre outros assuntos, sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias. O referido projeto traz, em seu bojo, o artigo de nº 64, que nenhuma relação possui com a matéria nele tratada, que revoga a aplicação do Código Florestal ‘na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana’.

Tal dispositivo representa o mais absoluto retrocesso na questão ambiental brasileira à medida que acarreta gravíssimas conseqüências, especialmente no que diz respeito à proteção de mananciais de abastecimento público em regiões metropolitanas, particularmente na Região Metropolitana de São Paulo, onde 19 milhões de pessoas necessitam que se garanta a qualidade da água por ela consumida. Também na Zona Costeira, onde ainda existem significativos remanescentes de Mata Atlântica, em franca recuperação, deparamo-nos com tal decisão exatamente quando estão em discussão os planos de ação e gestão para essas regiões ameaçadas pela especulação imobiliária.

Todo o avanço na conservação e preservação do meio ambiente assegurado pela Constituição federal de 1988, em seu artigo 225, sofreria um abalo sem precedentes, uma vez que a proteção aos citados ecossistemas depende do Código Florestal. Ecossistemas naturais, como mangues, restingas, estuários, entre outros, além de nascentes e topos de morros, são essenciais ao equilíbrio ecológico e à manutenção da biodiversidade e, se ainda são minimamente protegidos, o devem ao Código Florestal, que desde a década de 60 constitui-se um dos mais expressivos instrumentos da preservação ambiental brasileira.

A aplicação das disposições do Código Florestal, tanto nas áreas rurais como nas áreas urbanas, tem sido reiteradamente objeto de questionamento por representantes de parcela do setor imobiliário, que certamente desconhece a relevância do desenvolvimento sustentável para que seja assegurada a sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Felizmente, estamos diante de uma sociedade a cada dia mais consciente da relevância da questão ambiental, onde tais ações não encontraram guarida na doutrina nem perante o Poder Judiciário, cuja jurisprudência já se encontra bastante pacificada a respeito da aplicação do Código Florestal também às áreas urbanas e de expansão urbana.

Veja-se que o crescimento gradativo das cidades e a necessidade de arrecadação de receitas têm levado os municípios de todo o país a declararem como urbana ou de expansão urbana, praticamente a totalidade de seus territórios. É exatamente nos centros, urbanos, que concentram uma grande ocupação, que a preservação ambiental de áreas que contemplam ecossistemas ambientalmente significativos se apresenta de modo mais relevante, não havendo como se assegurar a qualidade de vida apenas com a aplicação de normas ambientais nas áreas rurais.

É de se ressaltar, ao contrário do que tem sido sustentado de forma equivocada por alguns, que assim como o Código Florestal se aplica às áreas urbanas, o próprio Estatuto da Cidade contempla disposição atinente à integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do município e do território sob sua área de influência, disposição esta que tem amparado ações locais, quanto ao uso e ocupação do soo, também em área rurais.

A sanção presidencial do projeto de lei, na forma como foi aprovada pelo Congresso Nacional, traria prejuízos irreversíveis ao meio ambiente, ao que é com enorme satisfação que recebemos a tão aguardada notícia do veto ao artigo 64, concedido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na noite do dia 2 de agosto de 2004.

Tal fato, por si só, demonstra que a pressão exercida por toda a sociedade, não só pelo Poder Público, em defesa do meio ambiente, rural ou urbano, traz resultados efetivos e auspiciosos. Contudo, somente uma batalha foi vencida, devendo ser mantida a vigilância para que não ocorra a eventual derrubada do veto.