A arte de saber renovar a arte

O Estado de S. Paulo

sex, 22/10/2010 - 8h04 | Do Portal do Governo

Pinacoteca anuncia para abril sua primeira iniciativa no sentido de rearranjar a apresentação de seu rico acervo

Desde 2007 começaram a ser feitas avaliações sobre a exposição permanente da coleção da Pinacoteca do Estado em seu prédio na Praça da Luz. Público, especialistas, ex-diretores e funcionários expuseram suas opiniões e proposições sobre a mostra, em cartaz desde 1998 e feita sob a orientação do diretor anterior do museu, Emanoel Araujo. Há 12 anos, a exposição fica no segundo andar e permite o passeio por vários períodos da arte brasileira, tendo como ponto alto a sala que remete ao salões do século 19, com telas abrigadas até quase o teto. A partir do dia 14, a mostra permanente será fechada para o público para ser remodelada. Sua nova configuração ficará pronta em abril de 2011 e a ideia é que permaneça em cartaz por pelo menos cinco anos.

Essa ação é a primeira dentro de processo de mudanças na Pinacoteca do Estado. A reformulação da apresentação do acervo começa agora e se estenderá pelos próximos anos, incluindo, assim, a distribuição das obras da coleção por três prédios: a sede da instituição, a Estação Pinacoteca, no Largo General Osório, e um futuro edifício, a ser construído no Parque da Luz. Mais ainda, o museu terá um galpão no Liceu de Artes e Ofícios para apresentar, provavelmente, a partir do fim de 2011, mostras contemporâneas.

A Pinacoteca, unidade da Secretaria de Estado da Cultura, vive ainda momento de abundância de verbas: do governo estadual, segundo o diretor do museu, Marcelo Mattos Araujo, foram investidos em 2010 R$ 19 milhões, sem contar o orçamento captado por meio de leis de incentivo (R$ 10 milhões) e recursos diretos na ordem de R$ 1,5 milhão.

Narrativa. “Não era uma questão de problemas com a exposição atual, mas estava na hora de mostrar outras obras. Hoje em dia a questão das mostras de longa duração dos acervos dos museus é sempre discutida. O Beaubourg (na França) está avaliando se vai trocar sua exposição do acervo todo ano, só que eles têm 164 mil obras e o acervo da Pinacoteca tem 8 mil”, diz Ivo Mesquita, curador-chefe da Pinacoteca do Estado desde 2007.

O projeto de reformulação da mostra do acervo, feito de forma interdisciplinar entre o Núcleo de Pesquisa e Curadoria, o Núcleo Educativo, coordenado por Mila Chiovatto, e outros setores da instituição, centra-se, como afirma Mesquita, em traçar uma narrativa da arte brasileira de forma linear. Na Pinacoteca Luz, a nova mostra da coleção vai começar o percurso do período colonial até o início do século 20, colocando a força nas obras do século 19, uma marca do museu, que abriga, entre seus destaques, pinturas de Almeida Júnior (1850-1899).

Gravuras. Já a Estação Pinacoteca apresentará arte brasileira dos anos 1920 à década de 1960 (da Semana de 22 até o neoconcretismo) e mostras permanentes de obras gráficas no Gabinete de Gravura. Por fim, o novo edifício Pinacoteca Contemporânea, no Parque da Luz, vai exibir criações realizadas a partir da década de 1970.

A mostra na Pinacoteca Luz se estende por 17 salas (duas de descanso), reunindo pinturas, obras sobre papel e esculturas (poucas). Segundo Mesquita, o percurso, “com sentido obrigatório”, passa por alegorias e obras dos artistas viajantes (incorporando aqui a Brasiliana da Fundação Estudar); pela vinda da Família Real e a criação de um sistema da arte com o ensino acadêmico; a questão do gosto e dos gêneros artísticos novecentistas até se chegar ao último núcleo sobre “a formação de uma identidade brasileira”. Nele se misturam obras do século 19 com O Mestiço (1934), de Portinari, por exemplo. O educativo, diz Mila, propôs colocar “Obras Relacionais” por pontos do percurso criando, assim, conexões de temas de cada sala com criações modernas e contemporâneas. O projeto ainda inclui 4 salas para mostras temporárias relacionadas ao acervo.

Obras em papel serão expostas em mapotecas

No subsolo da Pinacoteca, a pintura Escrava Romana (1894), de Oscar Pereira da Silva (foto), vem sendo trabalhada por restauradores para ser um dos destaques da nova exposição do acervo do museu. “Ela estava com o verniz oxidado e, por isso, amarelada”, diz a restauradora-conservadora Teodora Carneiro, responsável pela reserva técnica do museu. Desde agosto, segundo ela, a equipe de conservação e restauro da Pinacoteca, coordenada por Valéria de Mendonça, começou a trabalhar no laboratório do museu as obras que estarão, a partir de abril de 2011, na exposição que marca a primeira etapa de reformulação da apresentação do acervo do museu.

“Cerca de 60 das 300 pinturas terão de ser mexidas”, diz Teodora, enumerando, entre os trabalhos a serem realizados, limpeza, remoções de vernizes, de remendos e retoques realizados em restauros antigos. Ela calcula ainda que 20 telas estão com problemas maiores.

Há ainda a conta de ter de trabalhar sobre 70 obras em papel, que serão exibidas em mapotecas – já as esculturas não precisam de muitos cuidados. Segundo Teodora, foi até necessário aumentar a equipe para a empreitada, colocando mais dois restauradores no grupo que era antes de seis profissionais.

Reduto para o contemporâneo

Não existe videoarte no acervo da Pinacoteca do Estado, mas o museu, atualmente, com cerca de 8 mil obras em sua coleção, não vive problemas para aquisição, como afirma o diretor da instituição, Marcelo Mattos Araujo, que assumiu o cargo em 2002. O projeto de reformulação da exibição do acervo da Pinacoteca, que começa agora e continuará nos próximos anos, incluindo novos espaços para além do prédio na Praça da Luz, é resultado, como ele diz na entrevista a seguir, da maturidade do trabalho de equipe da instituição.

Já faz oito anos que você assumiu a direção da Pinacoteca. A reorganização do acervo poderia ter sido feita antes? Era uma preocupação sua quando entrou no museu?
Não, é um projeto que surgiu depois, internamente, a partir de conversas com a equipe toda e a partir de avaliações que foram sendo feitas da própria exposição. As primeiras conversas começaram em 2004. É uma alimentação que as instituições museológicas precisam para se repensar e rever sua relação com o público. É um processo muito importante para a instituição no sentido de pensar uma maturidade da equipe técnica do museu.

Então foi um processo alavancado a partir dos novos edifícios do museu?
Isso foi pensado a partir dessa perspectiva dos novos edifícios. Incorporamos a Estação (Pinacoteca, no Largo General Osório) em 2004 e agora estamos trabalhando com a perspectiva da criação da Pinacoteca Contemporânea.

Em que ponto está o projeto da Pinacoteca Contemporânea?
Está andando. A ideia é que o prédio possa ser no Parque da Luz, no local hoje ocupado pela Escola Estadual Prudente de Moraes. É um edifício que vai ser construído especialmente para abrigar a nossa coleção de arte contemporânea. Mas isso tem etapas prévias. Porque é preciso construir um edifício para a escola, nas proximidades. Nossa perspectiva é que daqui a dois ou três anos possamos começar a próxima etapa de exposição do acervo, mas tudo vai depender da dinâmica dos novos espaços.

Acredita que exista uma vontade de mudança do perfil da Pinacoteca do Estado?
De maneira nenhuma. Ao contrário, trabalhamos a partir do perfil que a Pinacoteca tem, que é justamente essa visão de que o contemporâneo é fundamental para estabelecer relações com as produções históricas já institucionalizadas.

O acervo contemporâneo cresceu mais nos últimos tempos?
Tem crescido, mas de obras históricas também. Recebemos uma verba de R$ 1,5 milhão da Secretaria para aquisição de acervo, mas ela foi direcionada, pelo conselho do museu, para compra de obras da década de 1960.

Umas das necessidades é diminuir a dinâmica das mostras temporárias?
Chegamos a fazer quase 40 exposições por ano e uma avaliação que tivemos é que algumas mostras tinham duração insuficiente. Para 2011, temos programadas 28 mostras.

Acervo histórico

A Pinacoteca do Estado foi inaugurada em 1905

500 mil visitantes estiveram apenas no prédio da Praça da Luz em 2009

19 milhões de reais é o orçamento do museu para 2010 investido pela Secretaria de Estado da Cultura (deles, R$ 1,5 milhão foi destinado para aquisição do acervo e o mesmo montante para o projeto de reformulação da exposição da coleção do museu)

600 obras, aproximadamente, das 8 mil peças da coleção, estarão na primeira mostra do acervo a partir de abril de 2011

O que vamos ver em 2011

Caravaggio
O grande destaque de 2011 será a mostra prevista para o fim do ano na Pinacoteca Luz com obras do pintor do barroco italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) e de artistas seguidores do mestre. A exposição, organizada por Fábio Magalhães, vai reunir obras de diversos acervos italianos como parte do que está se firmando como Ano da Itália no Brasil.

Ródtchenko
Em fevereiro chegará à Pinacoteca Luz a exposição Aleksandr Ródtchenko – Revolução na Fotografia, que será inaugurada agora, dia 4, no Instituto Moreira Salles do Rio. A mostra apresenta as criações fotográficas do artista considerado um dos principais nomes da vanguarda construtivista russa do século 20.

Paula Rêgo
A artista portuguesa, nascida em 1935, terá, a partir de março, mostra que traça panorâmica sobre sua produção.

Estação
O prédio do Largo General Osório abrigará mostras do espanhol Antoni Muntadas, de artistas contemporâneos do Peru e exposição feita em parceria com o prêmio BESFoto.