40% dos viciados começam a se drogar antes dos 12

O Estado de S. Paulo

ter, 17/11/2009 - 7h59 | Do Portal do Governo

Estudo foi feito por centro do Estado que trata dependentes; defasagem escolar é uma das sequelas do uso de entorpecentes na infância 

Levantamento recém-concluído pelo Centro Estadual de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) mostra que em São Paulo a dependência química começa ainda na infância. O acompanhamento de 112 jovens atendidos na unidade mostrou que, em média, quatro em cada dez deles começaram a usar entorpecentes, lícitos ou não, antes dos 12 anos de idade. Das crianças e adolescentes recebidos no local – uma das únicas referências públicas no atendimento -, 17 deles têm entre 7 e 9 anos de idade, fase em que ainda há troca de dentição. 

A pouca idade que apareceu na amostra estudada pelo Cratod é ainda menor do que a faixa etária detectada em outros levantamentos. A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), por exemplo, em seus dados estatísticos sobre o uso de drogas psicotrópicas, aponta que entre os estudantes dos Ensino Fundamental e Médio das 27 capitais brasileiras, a idade relatada para o primeiro uso de crack é de 13,8 anos. Entre as crianças estudadas no centro estadual de São Paulo, bebida alcoólica e cigarro são citados em índices semelhantes ao de maconha, inalantes e crack (veja ao lado). 

A defasagem escolar desponta como uma das sequelas do uso de drogas na infância, uma vez que 33% dos meninos com menos de 11 anos que participaram da pesquisa estão fora da escola. Mas a distância da sala de aula não é o único impacto social mapeado. “A maior parte deles, cerca de 70%, cumpre medidas socioeducativas na Fundação Casa”, afirmou o autor do estudo e coordenador do Programa de Adolescente do Cratod, Wagner Abril Souto. “O restante está em algum abrigo, ou porque viviam em situação de rua ou sofriam algum tipo de violência doméstica”, disse o pesquisador. 

Essa geração de meninos dependentes de drogas pesadas faz parte da história dos 20 anos de crack na cidade de São Paulo – a primeira apreensão policial paulistana foi em 1989. O estudo também sugere a influência dos pais no comportamento destrutivo dos filhos. Das crianças e adolescentes que participaram do levantamento, que teve início no ano de 2007, 39% informaram que os pais têm problema com o uso de álcool. Além disso, 6% disseram conviver com mãe e pai que usam crack em casa. 

Para Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), ligada à Unifesp, apesar de o espelho hereditário ter influência no uso precoce de drogas, a explicação para os produtos ilícitos estarem mais próximos das crianças e adolescentes é outra. “A droga é um fenômeno urbano. Os preços têm ficado cada vez mais baratos, a distribuição mais eficiente e o tráfico mais profissionalizado”, disse Laranjeira. “E a resposta do governo, em programas e projetos, não é eficaz. Isso facilita o acesso.” 

Futuro ameaçado 

Enquanto as pesquisas evidenciam a iniciação cada vez mais cedo na rotina da dependência, outros estudos enfatizam o destino complicado dos usuários. Laranjeira acompanhou por 12 anos 124 dependentes de crack da capital paulista. A maioria foi vítima de morte violenta – os homicídios responderam por 17,6% dos casos ainda nos cinco primeiros anos de uso da substância ilícita. Os que conseguiram “driblar” os assassinatos esbarraram na aids, uma vez que o HIV matou um terço deles. Menos de 10% dos pacientes estudados morreram de overdose. 

Não são apenas as drogas ilícitas que encurtam a sobrevida dos dependentes. Segundo dados do Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no Município de São Paulo (Proaim), computados pelo Estado, entre 2003 e 2008, morreram 45 pessoas na cidade com menos de 29 anos vítimas de alcoolismo – o que também indica início precoce, pois os prejuízos físicos do álcool demoram até uma década para aparecer. 

Além das pesquisas, os agentes que saem a campo também têm encontrado crianças e adolescentes. Na cracolândia – circuito de ruas na região central paulistana onde há a maior boca de fumo a céu aberto -, os agentes que participam da Operação Centro Legal estimam que 10% dos abordados têm menos de 18 anos. Desde julho, a Secretaria Municipal de Saúde, em parceria com a polícia, está no local na tentativa de resgatar os usuários. No período, foram 27.865 abordagens de dependentes e 1.645 encaminhamentos ao tratamento médico.