Hospital Pérola Byington recupera autoestima de vítimas de violência sexual

Assistência a crianças e adultos inclui contraceptivos para evitar gravidez indesejada, Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis

qua, 24/02/2010 - 13h00 | Do Portal do Governo

De olhar triste, cabisbaixo, uma menina de apenas seis anos apresentava sinais de mordida na nuca, ferimentos na área genital e braço queimado com faca quente. Assim ela chegou ao Hospital Pérola Byington, na zona central da capital. Mãe e agressor (padrasto) tratavam as feridas com pó de café. A avó percebeu as alterações no corpo da neta e denunciou o criminoso, que foi preso em flagrante.

O caso, ocorrido em 2007, foi tão grave que resultou na internação da garota por 15 dias. “A criança estava com a pele em carne viva. Algumas médicas até choraram de comoção”, lembra Alcina de Cássia Meirelles, do atendimento psicológico do Ambulatório de Violência Sexual (AVS), ou Núcleo de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, do Pérola Byington.

Durante 15 anos em atividade, o AVS atendeu mais de 19 mil casos de abuso a criança, adolescente e mulher. O serviço público é referência nacional na área e oferece toda assistência à vítima. Num momento tão delicado, a pessoa recebe aconselhamento, terapia psicológica, atendimento médico e depois é encaminhada para registrar boletim de ocorrência e fazer exame de corpo de delito. A unidade recebe de 15 a 20 casos de abuso sexual por dia.

Serviço social 

A menor violentada pelo padrasto sentia tanta dor que a psicóloga a acompanhava no banho e na hora do curativo. Alcina passeava nas redondezas do hospital com a menina, que recebia carinho e presentes. “A recuperação foi fantástica!”, afirma a psicóloga. No entanto, o crime trouxe traumas que a levaram a fazer terapia durante dois anos. Depois do ocorrido, o pai verdadeiro obteve a guarda da garota. 

A demanda pelo atendimento é tão grande que o Núcleo AVS funciona 24 horas. Recebe casos da Região Metropolitana de São Paulo, cidades do interior e até de outros Estados. Não há limite de idade, nem período máximo de tratamento. “O paciente decide quanto tempo quer ser assistido”, explica o ginecologista Jefferson Drezett, diretor do AVS.

“O serviço social é a porta de entrada no hospital. Atendemos inclusive sem boletim de ocorrência, porque o que importa é a saúde da vítima”, destaca a assistente social Sandra Regina Garrido. A pessoa é orientada a procurar a delegacia, para fazer o boletim de ocorrência e o Instituto Médico Legal (IML), onde se realiza o exame de corpo de delito. Os dois serviços situam-se no próprio hospital, mas é a paciente quem decide se quer ou não acionar essa ajuda.

Mais de 70% dos pacientes são crianças e adolescentes de até 17 anos. Sandra diz que dificilmente o responsável pela vítima deixa de registrar boletim de ocorrência. O hospital recebe caso de violência praticada no ato, há meses ou até há anos. Geralmente, o agressor é da própria família.

Gravidez adolescente 

Caso constate consumação do abuso sexual, Sandra explica a importância de tomar medicamento oferecido no hospital para evitar doença sexualmente transmissível (DST) e gravidez indesejada. A orientação é que a paciente use o remédio durante 28 dias. Cada kit do produto receitado sai por R$ 1,2 mil, custeados integralmente pela Secretaria de Estado da Saúde.

“Quanto mais cedo a vítima chegar aqui, melhor será o resultado da prevenção da doença”, alerta o diretor Drezett. O ideal é que procure assistência no máximo 72 horas após o abuso sexual. “O correto é ir primeiro ao hospital e depois à delegacia, mas normalmente a pessoa faz o contrário”, informa ele. Quando se toma o remédio em até três dias após a ocorrência é maior a possibilidade de evitar gravidez, DSTs e Aids.

Se o abusado for criança ou adolescente, o crime é comunicado à Vara da Infância e da Juventude. Dependendo do caso, a Justiça decide por afastar o agressor da residência, internar a criança em abrigo ou mantê-la com outros familiares.

Um dos serviços mais procurados é o aborto por causa da agressão sexual. “Pouco hospital público do País realiza aborto legal”, informa o diretor. A equipe multiprofissional segue rigorosamente as determinações do Ministério da Saúde, exige documento e exames. Um dos critérios de aprovação é que o feto tenha no máximo 22 semanas ou pese menos de 500 gramas. No Pérola, a gravidez por abuso sexual é mais comum em jovens com 22 anos.

Aborto legal 

O caso passa pela avaliação psicológica, de assistente social e de médicos. Se houver a aprovação do aborto, a diretoria do Núcleo é informada. Em 37% das ocorrências, o processo não é aprovado porque a mulher chega ao hospital após o prazo limite de gestação.

Entre as negativas de aborto, os médicos constatam que em 25% das ocorrências a gravidez não é por estupro. “Não é má-fé da mulher. Mas concluímos que o filho se originou de relação com marido, amante, namorado, e não de estuprador”, revela o diretor. Acrescenta que cerca de 5% das mulheres desistem do pedido de aborto legal por orientação religiosa ou conselhos.

Classes C, D e E 

Pela rotina de trabalho no Hospital Pérola Byington, a assistente social Sandra observa que a maioria dos casos de violência sexual contra a mulher ocorre no período da manhã, no percurso entre casa e trabalho. Entre as vítimas, 70% pertencem às classes C, D e E. São miseráveis, vivem em situação de rua ou têm renda mensal de três a quatro salários míninos. Trinta por cento vêm de classes que recebem de cinco a dez salários mínimos por mês.

Em 2009, o hospital atendeu 2.723 pessoas. Dessas, 2.339 do sexo feminino e 384 do sexo masculino (crianças e adolescentes). Do total de pacientes, metade tinha até 11 anos, 25% de 12 a 17, e as demais são mulheres acima de 18 anos. De 2.723 pessoas assistidas no ano passado, 57% vieram da capital e 42%, de outros municípios do Estado.

Diante da agressão, a criança pode ter comprometimentos – ansiedade, dificuldade para dormir, fala pouco ou nem se comunica, fica agitada, irrita-se com facilidade, urina na cama e sente-se retraída. A psicóloga Alcina de Cássia Meirelles relata que no caso de adolescente ou adulta possivelmente a reação imediata é desmotivação para atividades sociais, principalmente com relação ao trabalho. A pessoa não quer sair de casa. Outra queixa é que a vítima revive e sente a presença e o cheiro do agressor como na hora do abuso. Esses são alguns dos sintomas do estresse pós-traumático, que em casos extremos levam à depressão, tentativa de suicídio e até a morte.

Raiva aliviada 

Criança e adolescente participa de terapia em grupo, de acordo com a faixa etária. Alcina diz que o ideal é que cada paciente faça duas ou três sessões por semana pelo tempo necessário. No entanto, o público é carente e nem sempre tem condição de comparecer com frequência ao hospital. Sendo assim, a pessoa é encaminhada para continuidade do tratamento em unidade de saúde próxima à sua casa.

A criança participa de ludoterapia individual e em grupo, quando recebe materiais para brincar (massa de modelar e bonecos) que mostram seus órgãos sexuais. “O pequeno paciente não sabe explicar o que ocorreu e a brincadeira facilita a expressão do que sente”, explica Alcina.

A meta é que a criança e o adolescente readquiram coragem e alegria para retornar à vida normal. “No início, eles produzem desenhos sombrios, após as sessões psicológicas, a pintura fica alegre e o comportamento infantil volta a ser de acordo com a idade”, observa a psicóloga. Se o parente desejar, também participa da terapia familiar.

Para as adultas, a terapia também é individual e em grupo, com uso de balões (bexiga). “Em grupo, elas percebem que as outras também têm sentimento ruim e trocam experiências. Quando apertam o balão aliviam a raiva pela situação enfrentada, o que ajuda no tratamento”, conta a psicóloga.

Da Agência Imprensa Oficial