Identificados fragmentos de genes responsáveis pelo açúcar na cana

Descoberta permitirá modificações genéticas visando o aumento da produção de sacarose e a criação de variedades resistentes a pragas

ter, 31/07/2018 - 11h16 | Do Portal do Governo

Artigo publicado no Jornal da Unicamp traz detalhes sobre a pesquisa feita no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e no Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp que demonstra em que partes do código genético da cana-de-açúcar estão os fragmentos de genes responsáveis pela produção de açúcar.

A descoberta abre novos caminhos para melhoramentos e modificações genéticas que aumentem a capacidade da cana de produzir sacarose, além de poder ser utilizada para criar variedades de cana resistentes a pragas. O estudo, apoiado pela Fapesp, CNPq e Capes, foi publicado em março no periódico Frontiers in Plant Science.

Coordenado pela professora Anete Pereira de Souza, do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia (IB) da Universidade e responsável pelo Laboratório de Análise Genética Molecular do CBMEG, o trabalho foi realizado pelos biólogos e geneticistas Danilo Augusto Sforça, Melina Cristina Mancini e Cláudio Benício Cardoso da Silva e pela química Aline da Costa Lima Moraes. 

“Como não existe ainda o genoma da cana completamente sequenciado, procuramos estratégias que nos possibilitassem conseguir sequências de genes de importância para o melhoramento da planta e, no caso, escolhemos aqueles responsáveis pela produção de açúcar, os mais importantes do ponto de vista econômico”, explica a professora Anete. Mesmo com o esforço de dezenas de laboratórios em todo o mundo, ainda não foi possível sequenciar o código genético total da cana, devido à complexidade do DNA dessa espécie.

Melina Mancini explica que uma região do sorgo sacarino – espécie semelhante ao milho e utilizada na ração animal – é responsável pela acumulação de açúcar no colmo, e sendo o sorgo e a cana espécies aparentadas, com genótipos semelhantes, esse seria um caminho: “partimos do pressuposto de que os genes para a produção de açúcar no sorgo deveriam conservar a mesma função na cana-de-açúcar e em decorrência procuramos identificar essa mesma sequência genética dentro do genoma da cana”.

Após a publicação do trabalho, em março, um grupo francês publicou em julho último um mosaico de sequências da cana baseando-se na estratégia descrita, conta a professora Anete.

As pesquisas

Conhecendo-se os genes do sorgo para o acúmulo de açúcar pode-se então localizar uma sequência similar na biblioteca da cana. A partir daí, Melina decidiu vasculhar essa biblioteca em busca das sequências similares entre o sorgo e a cana, orientando o estudo para uma característica ligada à produção e ao acúmulo de açúcar. Os pedaços de DNA de cana selecionados pelos marcadores moleculares na biblioteca foram então sequenciados e organizados na ordem correta em que se encontram no genoma da cana.

Se confirmada essa hipótese, a descoberta pode levar a grandes saltos na produção de etanol e açúcar por hectare plantado, otimizando os espaços agrícolas. E ainda elevar o poder calórico do bagaço de cana oriundo da indústria sucroalcooleira, queimado em usinas termoelétricas, o que levaria a maior produção de energia por quantidade de bagaço.

Entretanto, é preciso ainda demonstrar sem quaisquer dúvidas que a função dos 53 genes, semelhantes aos do sorgo e identificados na cana, é realmente de produzir açúcar. A etapa de confirmação da função dos genes encontra-se em andamento, juntamente com os programas de melhoramento de cana de açúcar do Centro de Cana do Instituto Agronômica de Campinas (IAC) e da Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético, em Araras (RIDESA). 

Contexto

A importância do estudo ressalta quando se sabe que o Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, com quase o dobro da safra do segundo colocado, a Índia. “Nosso interesse foi localizar regiões importantes que codificam genes para a produção de açúcar, que possam conferir tolerância da variedade à seca, a fungos, bactérias ou vírus, ou que permitam o crescimento em solos pobres, em áreas com maior ou menor insolação e variação de disponibilidade de adubo”, enfatiza a professora Anete. 

A tecnologia desenvolvida permite utilizar o mesmo sistema de comparação para estudar outras plantas, que a exemplo da cana, também tenham genoma complicado. É o que acontece, por exemplo, com o genoma complexo da seringueira, que pode ser estudado a partir do genoma da mamona, que tem a sequência genômica muito bem caracterizada, ou dos capins utilizados em pastagens comparados com a espécie de capim chamada de setária, outra frente de pesquisa do CBMEG e Departamento de Biologia Vegetal do IB.

Cláudio da Silva ressalta ainda o ganho em tempo e dinheiro que o emprego da tecnologia proposta possibilita: “A busca da similaridade dentre os genes do sorgo e da cana envolve a utilização de um genoma já sequenciado, bem definido e conhecido, que demandou anos de trabalho envolvendo muitas esquipes de pesquisadores e muitos recursos. Utilizando-se um conjunto de genes do sorgo potencialmente relacionados com as características da produção de açúcar dá-se um salto incomensurável. Com esse tipo de correlação se ganha um tempo excepcional e uma grande economia de trabalho e recursos”.