Medicina Paliativa: cuida de pacientes com HIV quando eles mais precisam

Equipe especializada do Instituto Emílio Ribas leva conforto físico e espiritual e apoia pessoas com doenças crônicas decorrentes da Aids

qua, 06/12/2017 - 8h32 | Do Portal do Governo

Em São Paulo, no Hospital Emílio Ribas, referência em doenças infecciosas na América Latina e o primeiro a tratar de casos de Aids no Brasil, uma equipe cuida dos pacientes com doenças crônicas que ameaçam suas vidas.

A maioria são portadores de HIV que tiveram o estado de saúde agravado por diferentes motivos. Alguns não sabiam que eram portadores do vírus, outros tinham consciência de serem soropositivos, mas não procuraram tratamento quando deviam e viram o seu estado de saúde se agravar.

A médica infectologista Taciana Oliveira está à frente da equipe do Serviço de Cuidados Paliativos, constituída também por um terapeuta ocupacional, dois enfermeiros, um assistente social e um capelão.

Especialista na área há 20 anos, Taciana começou a tratar de pacientes com doenças crônicas há 10 anos e há cinco anos está no Serviço de Cuidados Paliativos.

“Nossa população é extremamente jovem e o componente social está muito presente”, afirma a médica. A abordagem da equipe parte do diagnóstico da doença crônica que ameaça o prolongamento da vida do paciente.

Além de  tratar de sua condição física, dos procedimentos médicos necessários para garantir uma vida mais próxima do normal, a equipe se ocupa também de aspectos espirituais e de problemas de natureza social decorrentes das condições econômicas dos pacientes.

“Nós acolhemos o paciente para proporcionar a ele uma boa qualidade de vida e o maior controle possível dos sintomas. A equipe é multidisciplinar, nós temos inclusive  uma capelã, que é fabulosa na questão da espiritualidade. A abordagem não é religiosa mas inclui sentimentos e reflexões. O papel do Cuidados Paliativos não é o de adiar ou protelar, mas de deixar que as coisas se desenvolvam normalmente”, explica a médica.

“Hoje acompanhamos pacientes que não sabiam que tinham o vírus HIV ou que não aderiram ao tratamento e acabam adoecendo. Outros não sabiam e entraram em pane quando descobriram. A equipe detecta essa situação de risco e trata do paciente e também da família”, diz a médica, que também fala sobre alguns casos que a sensibilizaram.

“Já aconteceu de uma paciente travesti, que foi colocada fora de casa pela família, vir para São Paulo e adoecer. A paciente faleceu e ninguém veio visitá-la. Já tivemos adolescentes que contraíram o vírus por transmissão vertical (quando o HIV é transmitido pela mãe). Este ano perdemos um adolescente muito querido nessas condições”, afirma.

Uma das providências adotas pela equipe é solicitar do paciente a sua “diretiva antecipada”, uma tipo de documento escrito em que ele relata as providências que deseja serem tomadas caso venha a morrer.

“Um de nossos pacientes com cirrose por hepatite C em estado grave se internou e foi para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Fui chamada para conversar com ele sobre diretiva antecipada. Quando comecei a conversar, ele sacou do bolso todas as suas diretivas já prontas”, conta a médica.

Uma das cartas que escreveu foi direcionada ao hepatologista e outra ao Dr. Emílio Ribas, “que ele pensava ser o médico responsável pelo hospital”, mas que na verdade é o nome do infectologista que deu nome ao hospital.

O paciente escreveu que não queria um caixão caro porque havia muitas pessoas que estavam morrendo por falta de  melhores condições de vida. Também não queria que a mulher passasse mais do que 20 minutos no velório, pois ela já havia sofrido muito. “Era uma carta muito original e espontânea. Até hoje tenho amizade com a sua filha, que não o via há muito anos e que nos últimos dias havia se reaproximado do pai”, diz a médica.

Respeitar a vontade do paciente é um dos princípios da equipe. Pode ser um paciente que por questões religiosas se recuse a passar por uma transfusão sanguínea ou mesmo de um pedido simples de quem manifesta a vontade de deixar de lado por um momento a dieta para saborear uma sobremesa.

“Nós respeitamos a autonomia do paciente”, diz Taciana e ilustra a afirmação com o caso de  uma jovem que contraiu o vírus por transmissão vertical e que na sua diretiva expressava seu desejo. Por ser católica e o pai seguidor da Umbanda, ela não fora batizada. A jovem foi atendida e até fez a primeira comunhão, mas não alcançou tempo suficiente para a crisma”.

A equipe do Cuidados Paliativo do Emílio Ribas também faz visitas externas para famílias que residem fora, em outros municípios. “Essa semana, morreu uma paciente de uma condição social muito frágil, que era cuidada pela filha, que por sua vez tinha uma filha pequena”, relata Taciana.

Segundo ela, as duas, avó e neta, dormiam na mesma cama e a filha no chão. A equipe se cotizou para comprar uma cama a mais. Quando a paciente morreu duas pessoas da equipe foram com a filha recolher o corpo. Ela queria se despedir da mãe e perguntou se o caixão podia não ser lacrado. Uma assistente social conseguiu que o hospital autorizasse por escrito que o velório fosse realizado em caixão aberto.

O trabalho da equipe dos Cuidados Paliativos é duro mas também gratificante, afirma Taciana, pelo retorno e gratidão de pacientes e familiares. Um paciente que estava na UTI teve alta e fez questão de voltar para agradecer ao tratamento.

“Às vezes, conseguimos autorização para que um familiar, mulher ou companheiro de um paciente possa passar uma noite no hospital para acompanha-lo ou mesmo que um paciente possa excepcionalmente sair de sua dieta para comer algo que goste”.