“Cinema e Misantropia” apresenta lado sombrio da humanidade

Mostra de cinema da Universidade de São Paulo exibe até 24 de fevereiro clássicos com as faces mais cruéis dos seres humanos

qui, 31/01/2019 - 11h49 | Do Portal do Governo

Desconfiança, antipatia, ódio, violência. Neste momento de ruptura que atravessamos como sociedade, a nova mostra do Cinema da USP (Cinusp) traz 15 obras que analisam tais comportamentos e que podem gerar a reflexão do público em relação ao seu olhar para o outro de forma menos sombria e mais humana.

A curadoria reúne clássicos do cinema mundial e sucessos de bilheteria. Um dos responsáveis pela pesquisa, Luis Henrique dos Santos, diz que os vários sentidos da palavra “misantropia” foram estudados para expandir e, ao mesmo tempo, delimitar a seleção de longas. A palavra de origem grega, literalmente entendida como “ódio ao ser humano”, pode adquirir muitas abordagens e leituras, que possibilitaram toda a diversidade apresentada no evento.

“São filmes que nos deixam com a sensação de ‘odeio a humanidade’ depois de assistir. Causam incômodo e sensação de desilusão com a vida”, explica. Outro ponto em comum entre os filmes, segundo ele, é ter personagens, protagonistas ou coadjuvantes e ambientes que sejam misantropos.

Um antropófobo, que significa “pessoa que tem fobia a seres humanos”, costuma ser caracterizado por uma persona que interage apenas pela violência, principalmente física, mas a exibição traz as muitas aparências que um misantropo pode ter. Os protagonistas se vestem de assassinos ocasionais, um adolescente de classe média, uma garçonete, um milionário e até mesmo um casal.

“Pensamos em diversificar os personagens, não apenas o psicopata. A gente pensou em outros que também representam a misantropia”, comenta o curador.

O cinismo, o sadismo e a violência que florescem em personagens que se sentem injustiçados e aquém do restante da humanidade os levam a diversas expressões de brutalidade. As cenas fortes de violência, que provocam desconforto no espectador, caracterizam as produções, tornando-as polêmicas e até proibidas em alguns países.

Luis Henrique dos Santos vê o cinema como uma forma de trazer essa discussão: “Ele tem esse papel de provocar reflexões possíveis no espectador, mesmo que implique mostrar verborragicamente na tela uma cena muito violenta, com que você provavelmente não teria contato.”

“São películas que trazem situações que não se vê comumente. Não é como se fizesse parte do cotidiano lidar com a mente de um psicopata”, continua. De fato, não é habitual se deparar com pessoas como o protagonista Alex DeLarge, do clássico consagrado do universo distópico Laranja Mecânica, dirigido por Stanley Kubrick em 1971.

Em um futuro paralelo, violentas gangues de jovens se tornam um problema social. Alex é o líder de uma delas, que violenta física e sexualmente e mata pessoas ouvindo música clássica. Ao ser preso, torna-se cobaia de um sistema de reabilitação que o torna incapaz de cometer atos agressivos – por mais que deseje.

As longas sequências da gangue em ação e do desespero do protagonista como uma “laranja mecânica” requerem estômago do espectador. Com uma boa recepção na época, gerando até indicação ao Oscar de Melhor Filme de 1972, o longa de Kubrick harmoniza com a ideia de misantropia.

Os 120 Dias de Sodoma é considerado um dos mais polêmicos da mostra do Cinusp. A película italiana de 1976 foi até proibida na então Alemanha Ocidental, acusada de “incitar à violência e pornografia”. Baseado no livro homônimo do Marquês de Sade, quatro libertários fascistas sequestram 16 jovens e os aprisionam em uma mansão, usando-os para satisfazer seus mais perversos desejos.

Escatologia, tortura, violência sexual, sadomasoquismo e morte são estampados na tela para o público assistir. A produção ainda foi marcada pelo assassinato de seu diretor, Pier Paolo Pasolini, meses depois da estreia da produção.

Thiago André, coordenador de produção e programação do Cinusp, comenta sobre a raridade de se ter no Brasil cinemas universitários que exibam filmes de forma totalmente gratuita e com uma produção de alta qualidade: “Algumas universidades no Brasil possuem salas de cinema, mas nem todas com entrada franca. O Cinusp, que completou 25 anos, é um projeto em que a USP acredita e que está contribuindo para o ambiente universitário e para a formação dos alunos.”

A mostra Cinema e Misantropia acontece até 24 de fevereiro nas salas do Cinema da USP (Cinusp) da Cidade Universitária (Rua do Anfiteatro, 181, Colmeias, Favo 4) e no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP (Rua Maria Antonia, 258/294, Vila Buarque, em São Paulo).

Mais informações pelo telefone (11) 3091-3540. A programação completa da mostra está disponível no site do Cinusp.