Pinotti: um ativista da saúde

FOLHA DE S. PAULO

qui, 02/07/2009 - 12h00 | Do Portal do Governo

José Serra

“A vida por si só não é nem bem nem mal: é o lugar do bem e do mal segundo o que dela fazeis.”

A vida do Pinotti certamente foi um lugar do bem, seja no que se refere à sua esfera privada -família, amigos e atividade profissional-, seja em relação à esfera pública -secretário de Estado, deputado federal, articulista de jornais e incansável pregador de teses sobre a saúde pública.

Ambas as esferas sempre estiveram vinculadas, pois foi na condição de médico que ele passou a militante da causa da saúde da mulher, em Campinas e depois em São Paulo, promovendo inovações que marcaram época no atendimento público das doenças típicas do gênero feminino.

Como professor universitário de medicina, tornou-se reitor da Unicamp. Eu o conheci nessa época, quando era secretário de Economia e Planejamento de São Paulo, no governo Montoro.

Fizemos uma parceria que permitiu duplicar a área construída dessa universidade, que, com razão, até então, privilegiara investimentos em recursos humanos, mas acumulara enormes carências em matéria de infraestrutura para aulas, pesquisas, administração e convivência. Duplicar de forma extremamente econômica, o que revelou seu tino de administrador, bom e prático.

Por sugestão minha, Montoro convidou-o para ocupar a Secretaria Estadual da Educação, quando o titular, Paulo Renato Souza, foi escolhido para sucedê-lo na reitoria. Foi um período curto, mas marcante para São Paulo. Em seguida, Pinotti foi secretário da Saúde do governo Quércia, onde deu início a um processo de descentralização das ações de saúde, inclusive pela transformação dos centros de saúde estaduais em centros de assistência médica, comandados pelos municípios. A chamada rede básica de saúde teve origem em iniciativas como essas, que antecederam a própria criação do SUS pela Constituição de 1988.

Noutro nível, foi ele que pilotou a transformação do hospital Pérola Byington em um grande e eficiente centro de atenção à saúde da mulher -talvez, a sua principal ação localizada, muito bem-sucedida, naquela que era sua especialidade como médico e cirurgião.

Três vezes deputado federal, levou ao Congresso e ao país suas ideias sobre saúde e questões sociais, de forma incansável. Aliás, a página 3 da Folha é testemunha viva do seu ativismo, de suas inquietações e de suas propostas.

Na Prefeitura de São Paulo, onde foi meu secretário da Educação, deu início ao programa Ler e Escrever, depois adotado pelo Estado; no governo estadual, convidei-o para criar a Secretaria de Ensino Superior, que em breve vai introduzir em São Paulo a Univesp, ensino superior à distância de boa qualidade.

Pinotti era experimentado como médico, na área privada e na saúde pública, e como educador, nas salas de aula e nas secretarias que ocupou; era ativista social e político intenso.

Na política partidária, sua generosidade poderia se confundir com ingenuidade. Às vezes, eu lhe indagava a respeito.

E ele sorria, numa boa. Tinha propensão permanente ao otimismo e a olhar pra frente. Seu veículo de vida não tinha espelho retrovisor. Apanhado de surpresa pela doença devastadora, consciente da gravidade do seu estado, do sofrimento que teria e das poucas chances de sobreviver, soube manter seu espírito de luta e acima de tudo uma imensa dignidade.

Era um homem de muitos amigos, de grande disponibilidade para todos eles, generoso, de convivência fácil e inteligente. Minha família perde um amigo: nas mãos dele nasceram meus três netos.

Como disse o Montaigne da epígrafe, a morte é de fato o fim, não é a finalidade da vida.

A dele foi nobre e generosa.