Para enfrentar o horror

Gazeta do Povo

qui, 30/08/2007 - 16h03 | Do Portal do Governo

Para enfrentar o horror

por JOSÉ SERRA

Gazeta do Povo

Como governador, como pai, como ser humano, fiquei chocado diante do assassinato de Ana Cláudia Caron, em Curitiba. Dois adolescentes são acusados pelo crime. Queriam roubar seu carro e pretendiam comprar drogas, diz a polícia. A morte da estudante é um desses episódios em que se assiste a uma manifestação do horror em estado puro – uma violência devastadora e descontrolada que não é possível explicar racionalmente.

A dor pela perda de uma pessoa querida não pode ser resumida a uma estatística nem a uma tese sociológica. Cada ser humano é único e insubstituível em sua presença e sua personalidade. Mas, infelizmente, nós sabemos que a morte de Ana Cláudia não é um caso isolado. No início do ano, um menino de 8 anos, João Hélio, foi arrastado até a morte pelas ruas do Rio de Janeiro. Há pouco mais de três anos, uma adolescente e seu namorado foram assassinados quando acampavam na periferia de São Paulo.

Foram crimes cruéis, cometidos por jovens que tem discernimento para separar o certo do errado.

É óbvio que a má distribuição de renda, a ausência de oportunidades e, especialmente, os altos índices de desemprego, ajudam a entender o crescimento da criminalidade entre adolescentes. Mas estou convencido de que vivemos sob um regime de impunidade automática, que também colabora para essa tragédia, ao não permitir o tratamento diferenciado e por mais tempo a jovens excepcionalmente violentos.

Como têm menos de 18 anos de idade, diz a legislação atual, jamais serão condenados a uma punição. Irão cumprir medidas socioeducativas e, ao final de três anos, no máximo, terão direito à liberdade. Quando completam 21 anos, ganham direito automático à voltar para as ruas, qualquer que seja o crime cometido.

Há tempos se debate, no Brasil, a redução da maioridade penal. É uma mudança complexa, de duvidoso efeito prático, que divide o país e só poderia ocorrer após uma reforma constitucional. Certa ou errada, esta medida não se encontra no horizonte das decisões práticas, de alcance imediato.

A alternativa não é cruzar os braços, a espera do próximo ato de crueldade. É possível a partir do Congresso uma mudança importante, no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. É ali que se limita o tempo de privação de liberdade a três anos – e se garante a liberdade depois dos 21. Defendo que o período de internação possa ser ampliado para até dez anos, a serem cumpridos em local especial, assegurando-se o acompanhamento permanente de um juiz, com novas medidas favoráveis à recuperação e ao respeito integral às regras do direito.

Acredito na evolução da consciência pacífica na nossa sociedade, mas enxergo os fatos. Como integrante de uma geração de brasileiros que sentiu na pele a privação da liberdade, estou convicto de que é preciso defendê-la, sempre. Hoje, uma grande ameaça à liberdade vem do crime e da violência, da presença inadequada do Estado e mesmo de sua ausência.

Adolescentes especialmente violentos contribuem para manter a sociedade num estado permanente de tensão, como se as pessoas que trabalham e pagam impostos estivessem condenadas a uma vida de receios, temores e tragédias. Temos o direito à liberdade fundamental de não sentir medo. Isso implica em definir crime como crime, lei como lei, bandido como bandido. O Estado tem o dever de reeducar esses adolescentes. Mas também tem o dever de proteger os cidadãos contra sua violência.

As sociedades andam sempre mais depressa do que as leis, seja nas coisas positivas; seja, infelizmente, nas negativas. A legislação eficaz consegue responder a novas realidades, tendo como horizonte a paz social e o cumprimento da lei maior, a Constituição. Não adianta afirmar que inexiste solução mágica para a violência. Os brasileiros não estão cobrando uma resposta dos mágicos, mas das autoridades públicas, que têm o mandato das urnas e da lei para responder às suas angústias. É o que queremos.

José Serra é governador do estado de São Paulo.