O valor do piso regional

Folha de S.Paulo

qua, 11/07/2007 - 11h19 | Do Portal do Governo

O valor do piso regional

 JOSÉ SERRA

A criação dos pisos salariais regionais em SP tem a vantagem de não se tratar de um benefício distribuído de forma assistencial

POR CAUSA da força da economia e da pujança de sua sociedade, muitas pessoas imaginam São Paulo como uma região sem manchas de pobreza nem marcas de desigualdade. A renda por habitante, em São Paulo, é 40% superior à media nacional. Mas a realidade não é a mesma para todos. A lei que estabelece os pisos salariais regionais, a ser promulgada hoje, tenta responder, parcialmente, ao menos, a essa situação.

No Brasil de hoje, um ajudante de garçom que trabalha, por exemplo, no bairro paulistano da Vila Mariana e mora no Campo Limpo deve pagar as contas com o mesmo salário mínimo que, no interior do Brasil, garante o consumo de uma família inteira.

O piso regional cria três faixas de salário de acordo com as características de 105 ocupações diferentes. O mais alto, de R$ 490, representa um vencimento um pouco abaixo do piso de um funcionário público. O menor, de R$ 410, é quase 8% superior ao salário mínimo federal. Os pisos regionais estão previstos na Constituição Federal de 1988 e foram autorizados por lei complementar de iniciativa do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). São Paulo é o quarto Estado a instituir o regime. Suas faixas salariais são as mais altas -o que se justifica pelo tamanho de nossa economia e pelo nosso custo de vida.

Essa mudança não atinge quem tem a proteção dos sindicatos ou recebe o benefício de qualquer legislação específica. Seu alvo é beneficiar quem está excluído de qualquer proteção -um dissídio de quem não tem dissídio, como lembrou [Guilherme] Afif Domingos [secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo]. A regra é simples: quando houver o dissídio, prevalece o dissídio. Caso contrário, vale o piso. Se o dissídio gerar um salário menor que o piso, será obrigatório fazer o reajuste para cima.

Impossível argumentar que remunerações mínimas entre R$ 410 e R$ 490 são altas para a realidade econômica de São Paulo. Melhor concordar que se trata de um esforço no combate às remunerações aviltantes, o que é coerente com uma visão contemporânea de governo, em que não cabe criar obstáculos ao funcionamento da economia de mercado, mas sem renunciar ao combate às distorções sociais que nela se produzem.

As três faixas salariais foram calculadas para garantir um avanço real e sustentável no rendimento dos trabalhadores, evitando tentativas que poderiam produzir aumento da informalidade e do desemprego. A nova lei tem a vantagem inegável de que não se trata de um benefício distribuído de forma assistencial, mas um pagamento pelo suor do rosto.

Embora não existam estimativas precisas, acredita-se que os três pisos regionais devam alcançar uma massa superior a 1 milhão de assalariados, beneficiando suas famílias -aqueles 10% da população de São Paulo que enfrenta a vida mais dura e o cotidiano com maiores carências.

As pesquisas disponíveis dizem que os principais beneficiários serão exatamente os trabalhadores de menor qualificação. A partir de agosto, com a criação do piso regional paulista, o salário deles ficará de R$ 30 a R$ 110 maior -valores que fazem uma enorme diferença no orçamento das famílias mais pobres de São Paulo.

JOSÉ SERRA, 65, economista, é o governador de São Paulo. Foi senador pelo PSDB-SP (1995-2002) e ministro do Planejamento e da Saúde (governo Fernando Henrique Cardoso) e prefeito de São Paulo (2005-2006).