Achados e perdidos da CPTM e Metrô: vale a pena apelar a São Longuinho

Documentos e até carteiras de dinheiro estão entre os objetos mais esquecidos por pessoas que desistem de procurar o que perderam

ter, 15/08/2017 - 8h28 | Do Portal do Governo

Próteses de perna e dentária, instrumentos musicais, pias de banheiro, carteiras, documentos, capacetes de motociclista, dinheiro em moeda nacional e estrangeira, livros, álbuns de fotos, carrinhos de bebê e supermercado, ferros elétricos e ventiladores. Dos objetos mais comuns aos mais inusitados, quase de tudo é esquecido pelos passageiros do Metrô e da CPTM nas estações e composições de trem.

Além de motivo de surpresa, os objetos mais estranhos encontrados nas prateleiras dos Achados e Perdidos do Metrô e CPTM indicam que as pessoas que os perderam desistiram de recuperar os seus pertences porque acreditavam ser impossível recuperá-los.

Essa falta de fé em São Longuinho, o santo protetor das causas e objetos perdidos, na maioria das vezes não corresponde à realidade. É o caso da passageira do Metrô que em 31 de janeiro desse ano perdeu a bolsa na estação Butantã da Linha 4-Amarela, com todo o salário do mês dentro: R$ 1,4 mil. A bolsa foi encontrada por outro passageiro e devolvida intacta à administração da Linha 4, administrada pela concessionária ViaQuatro.

Assim como todos os objetos encontrados nas linhas do Metrô, a bolsa foi encaminhada à Central de Achados e Perdidos, localizada na Estação Sé. Dentro da bolsa, além do dinheiro e de outros objetos pessoais, havia um bilhete único do Cartão BOM.

Por meio dele, foi possível localizar a dona da bolsa. Ela trabalhou em uma empresa, em Rio Claro, no interior de São Paulo, em 2011. Sua ficha na empresa indicava o telefone de uma cunhada. A cunhada passou os contatos do filho, que por sua vez indicou o endereço atualizado da mãe. Não é preciso descrever o contentamento da mulher, quando recebeu de volta a bolsa com todo o conteúdo, incluindo o dinheiro do salário.

Detetives de causar inveja
O departamento de Achados e Perdidos da CPTM mais parece uma agência de detetives. A equipe passa o dia tentando localizar quem perdeu o quê. Assim também é no Metrô. Cada objeto encontrado é catalogado e identificado com todas as características: cor, tamanho, espécie e outros detalhes que serão cruzados com as informações de quem for recuperar o objeto. Os dados incluem onde o objeto foi localizado, quando, como e em quais circunstâncias, para que sejam confirmadas pela pessoa que for reclamar a posse.

Todas a informações alimentam um programa de computador usado para identificar os objetos, documentos e pessoas. Além do trabalho de identificação, o departamento sai em busca de indícios que podem servir para localizar a pessoa que perdeu o objeto. Se localizada, ela será contatada para que venha retirar o que perdeu.

Segundo Eliete Cury, 15 anos de Serviço de Atendimento ao Usuário da CPTM e chefe do departamento desde o início de 2011, 14% dos objetos devolvidos foram procurados por seus donos e 84% é fruto do trabalho de investigação dos agentes de relacionamento que trabalham no departamento.

A equipe é constituída por cinco pessoas. Impressiona a quantidade de cartões BOM e de documentos que são organizados para a devolução ao órgão expedidor da CPTM, quando quem os perdeu não é localizado.

Documentos como RG e Carteira Nacional de Habilitação também são remetidos aos órgãos de expedição, no caso o serviço de identificação da Secretaria de Segurança Pública e o Detran.SP. Os que são impossíveis de serem devolvidos ou estão fora da data de validade são inutilizados.

Até julho deste ano, foram esquecidos nas linhas da CPTM 45 mil itens, um média de 6 a 7 mil por mês. Deste total, acabaram devolvidos 18.076 itens, entre objetos e documentos. “Nosso trabalho é focado para devolver os objetos aos seus donos”, diz Eliete. “Todos ficamos felizes quando isso acontece, porque sabemos o quanto isso é importante para as pessoas”, diz Eliete.

Em uma das linhas, foi encontrado um saxofone. A equipe demorou um ano para localizar o proprietário, um músico da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), conta Eliete. Nesse caso, o setor achou melhor guardar o instrumento até encontrar o seu dono. Quando ele finalmente foi encontrado, o músico já tinha comprado outro saxofone, mas disse que não era da mesma qualidade daquele que ele pensou nunca mais recuperar.

Alcorão e Monteiro Lobato
No Metrô, o que impressiona é a quantidade de carteiras perdidas, com documentos, cartões e dinheiro. São várias gavetas repletas delas, assim como de celulares perdidos. Esses últimos, são os objetos mais procurados, o que indica a importância que esses aparelhos têm para a vida das pessoas, segundo o coordenador do Departamento de Relacionamento com o Usuário (OPR) da Companhia do Metropolitano, Marcos Borges.

É ele quem diz que as pessoas precisam ter mais confiança no próximo. Grande parte dos objetos recuperados são encontrados pelos próprios funcionários que verificam as composições quando elas chegam aos terminais, mas também é frequente os próprios passageiros encaminharem os objetos que encontram.

Se não reclamados no período de 60 dias, objetos e valores são doados ao Fundo Social de Solidariedade do Governo do Estado. As normas são semelhantes, tanto as do Metrô quanto as da CPTM, assim como a dinâmica de trabalho. Diariamente, mensageiros de todas as linhas chegam aos locais de centralização dos achados e perdidos para entregar o que encontram. O da CPTM fica na Estação Barra Funda.

A Central de Achados e Perdidos do Metrô, na Estação Sé, possui uma seção de objetos inusitados. No “museu” do setor tem uma imagem de São Longuinho. É uma homenagem da assessoria de imprensa da companhia ao trabalho da equipe do Achados e Perdidos.

O museu destaca alguns dos objetos mais significativos que foram esquecidos nas composições ao longo dos anos (o Achados e Perdidos funciona desde 1975, cerca de um ano depois do início da operação do Metrô), como por exemplo: dois trompetes; uma espada provavelmente utilizada por algum mestre de Kung Fu; uma edição bem produzida do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos; uma edição antiga da obra de Reinação de Narizinho, clássico de Monteiro Lobato, escrita em Braile, entre outros.

Ali também há um álbum de fotos antigas de uma família, que é provavelmente tradicional em São Paulo. Segundo Borges, era de propriedade de uma senhora de idade que já morreu. Os familiares foram avisados, mas ninguém se interessou em recolher o álbum. Para a sua dona, o material deve ter sido de grande valor emocional. Uma das fotos, aparentemente, é de seu casamento.

No museu estão também três dentaduras ou próteses dentárias. Em um determinado dia, um senhor foi até o departamento porque havia perdido a sua prótese, lembra a funcionária Suzana Célia de Andrade, supervisora do setor há 5 anos e há 35 anos funcionária do Metrô. As três próteses foram mostradas a ele, que, sem cerimônia, experimentou todas, escolheu uma delas e saiu. Horas depois, entretanto, ele voltou para devolver a dentadura. Disse que não tinha se adaptado a ela e, com certeza, não era essa a que tinha perdido.

O menino que devolveu R$ 100
Um dos casos que mais emocionou Eliete Cury, do setor de Achados de Perdidos da CPTM, foi a de um menino de 11 anos, de família humilde, que encontrou uma nota de R$ 100 e a entregou para um funcionário, para que ele devolvesse à pessoa que a perdeu.

Uma das câmeras de segurança flagrou a pessoa no momento exato em que a nota caiu do seu bolso e ela foi reconhecida pelas características e cor da calça que vestia. O dinheiro foi devolvido e o caso foi levado ao conhecimento do presidente da companhia, que convidou o menino para visitá-lo. Uma das recompensas foi um passeio pela linha da CPTM na cabine do condutor do trem. Ele fez o passeio acompanhado da irmã. Estava contente, mas o que mais gostou foi a bola de futebol que ganhou do presidente.

Cartinhas de amor
Os números de objetos e documentos encontrados no Metrô são semelhantes aos da CPTM. Do  início do ano até julho, mais de 47 mil foram cadastrados e 11 mil devolvidos. São 7 mil itens em média por mês, dos quais 65% são documentos e 35% objetos. Os mais encontrados são documentos, materiais de papelaria e livraria, artigos pessoais, peças de vestuário, acessórios, itens de casa e chaves.

Mas já foram encontrados documentos completos de aposentadoria, que provavelmente seriam levados para a Previdência para completar o processo, inventários, fotos de família e até acessórios eróticos e preservativos. Na CPTM, segundo Eliete, é muito frequente encontrar bolsas e carteiras com cartas de amor decoradas com desenhos de florzinhas e outros adereços, de meninas adolescentes, e de meninos, também (por que não?).

Na sexta-feira, 11 de agosto, dia em que a reportagem foi apurada no local, a jovem Caroline Carneiro havia perdido sua bolsa na Estação Brás da CPTM. Enquanto ela dava detalhes sobre as características da bolsa, uma das agentes de relacionamento ligava para a estação em busca de informações. O objeto acabara de ser localizado e Caroline foi retirá-lo com os funcionários da CPTM no local onde o havia esquecido.

Outro passageiro, Paulo Henrique Pereira, foi procurar a carteira de identidade que perdera e que estava no setor de Achados e Perdidos da CPTM. A equipe o avisou que o documento estava lá. O passageiro contou que havia sido roubado e que uma assaltante tinha colocado uma faca em seu pescoço quando descia de seu automóvel. O documento acabou aparecendo em alguma estação.

Já no Achados e Perdidos do Metrô, Dorival Rodrigues Castro, economista e contador aposentado, contou que depositou suas economias na compra de um caminhão para fazer entregas. Há cerca de dois meses, ele perdeu um envelope com documentos do Detran.SP para regularização de multas de trânsito. Por iniciativa própria, ele procurou o departamento e encontrou os documentos perdidos.

Diariamente, circulam pelo sistema metroviário 4,6 milhões de pessoas e pelas linhas da CPTM, mais 2,8 milhões de passageiros, em média. Se caso você perder ou esquecer algo em meio a esse volume tão grande de pessoas, procure as centrais de achados e perdidos. Não perca a esperança, o que você perdeu, pode estar guardado à sua espera.

Quem foi o santo dos objetos perdidos
São Longuinho era um dos soldados romanos que acompanhou Jesus Cristo ao calvário. Ele perfurou o peito de Jesus com uma lança e o sangue e a água que jorraram em seu rosto curaram um de seus olhos, que estava afetado por uma doença. A partir desse milagre, ele abandonou o exército romano e se converteu ao cristianismo.

Diz a história que ele era um soldado de baixa estatura e que, em virtude disso, podia ver o que havia debaixo das mesas e assim encontrar os objetos perdidos e devolver aos seus legítimos donos.

Quando abandonou o exército, ele foi encontrado pelos soldados de Pôncio Pilatos e levado à sua presença. O tribuno romano disse que iria absolvê-lo do crime de deserção, punido com a morte, caso se ele renunciasse ao cristianismo. O ex-soldado romano se recusou a desistir de sua crença e morreu decapitado.

Foi canonizado pelo Papa Silvestre II, quase mil anos depois. Os documentos da canonização de São Longuinho ficaram perdidos por anos e foram encontrados depois de o Papa ter pedido ajuda ao próprio São Longuinho. Só assim foi possível dar sequência ao processo de canonização. Em uma igreja de Viena, Áustria, há uma lança que seria de São Longuinho, utilizada por ele ao ferir Jesus Cristo.