Workshop: Programa BIOTA/FAPESP divulga moção

Pesquisadores analisam legislação sobre o acesso aos recursos genéticos e sugerem ações para aperfeiçoar a implementação das resoluções

ter, 03/12/2002 - 20h00 | Do Portal do Governo

Cientistas reunidos no I Workshop de Síntese do Programa BIOTA/FAPESP divulgaram moção que aponta as consequências da aplicação da Medida Provisória No. 2.186-16 de 23 de agosto de 2001, do Decreto No. 3.945 de 28 de setembro de 2001 e das Resoluções do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético/CGEN, para a pesquisa científica sobre a biodiversidade brasileira.

O evento aconteceu de 24 a 24 de novembro na Universidade Federal de São Carlos. A texto conclusivo foi aprovado por unanimidade pelos presentes. ‘Propomos também um elenco de ações para aperfeiçoar a implementação desta legislação’, dizem os pesquisadores.

Confira a seguir a moção, redigida por Carlos Alfredo Joly, Eliana Marques Cancello, José Galisia Tundisi, Naércio Aquino Menezes e Thomas Michael Lewinsohn.

MOÇÃO DA ASSEMBLÉIA DE PESQUISADORES DO I WORKSHOP DE SÍNTESE DO PROGRAMA BIOTA/FAPESP AO CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO, MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

Esta Assembléia reconhece a necessidade e a importância de uma legislação que regulamente e fiscalize o acesso aos recursos genéticos do país, pois o Programa BIOTA/FAPESP está calcado nas premissas preconizadas pela Convenção sobre a Diversidade Biológica. Com esta moção não estamos defendendo interesses individuais ou corporativos, mas sim apontando os reflexos perversos para a pesquisa científica da biodiversidade, das regras estabelecidas pela Medida Provisória No. 2.186-16 de 23 de agosto de 2001, pelo Decreto No. 3.945 de 28 de setembro de 2001 e pelas Resoluções do recém-criado Conselho de Gestão do Patrimônio Genético/CGEN.

Em seu formato atual a legislação não coíbe a exploração comercial por grandes grupos privados, pois as instituições privadas que têm interesses comerciais poderão, certamente, arcar com o custo de assessorias especializadas para atenderem as exigências da lei, obtendo as autorizações exigidas pela nova legislação. Entretanto, ela cria entraves para uma das atividades mais relevantes e urgentes para o país, que é o aumento do conhecimento científico de nossa biodiversidade.

Ao abranger com o mesmo formato regulador tanto a exploração comercial como a geração de conhecimento científico sobre a biodiversidade brasileira, a Medida Provisória No. 2.186-16, e as decisões dela decorrentes, estão cerceando a liberdade de pesquisa de centenas de pesquisadores vinculados às instituições públicas. Nestas instituições, que desenvolvem projetos imprescindíveis para o aumento do conhecimento científico da biodiversidade, o ônus burocrático para obtenção das novas autorizações recairá, indubitavelmente, sobre o pesquisador.

Por exemplo, com a utilização cada vez mais freqüente de técnicas de biologia molecular em trabalhos taxonômicos, toda a coleta e estudo de material biológico realizados no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva, estão hoje enquadrados no Artigo 16 da Medida Provisória No. 2.186-16, mesmo que não tenha sido esta a intenção. A pesquisa científica básica e fundamental não pode ser limitada em razão de uma aplicação potencial incerta e imprevisível, a qual somente pode e deve ser regulada quando se configurar claramente.

Completam-se agora, após a primeira edição da Medida Provisória 2.052 de junho de 2000, dois anos de atraso, interrupção e mesmo comprometimento irrecuperável de projetos de pesquisa desenvolvidos por brasileiros, em instituições brasileiras, financiadas na grande maioria por agências de fomento federais e estaduais com fundos públicos. Assim, claramente, o principal efeito desta nova legislação, mesmo que não pretendido, foi o imediato e devastador bloqueio do esforço de pesquisadores brasileiros para aumentar o conhecimento científico sobre nossa biodiversidade.

Por sua vez, alguns dirigentes de instituições públicas de pesquisa, a quem caberia solicitar as Autorizações Especiais, previstas no artigo 11o inciso IV alínea c da Medida Provisória No. 2.186-16, têm relutado em assumir esta responsabilidade. Isto afeta especialmente projetos de Iniciação Científica, Aperfeiçoamento, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, o que acarretará um volume gigantesco de solicitações individuais, inviabilizando o trabalho dos pesquisadores, dos bolsistas e do próprio CGEN.

A comunidade científica nacional trabalhou durante décadas para ter a credibilidade imprescindível para o saudável intercâmbio nacional e, principalmente, internacional de material biológico. As incertezas geradas pela MP resultaram em uma moratória branca, com a suspensão, por parte de instituições estrangeiras, do envio de espécimes brasileiros depositados em seus acervos. As resoluções do CGEN referentes a este tipo de intercâmbio já representam uma primeira tentativa de solução desta questão, mas estão muito aquém do necessário e precisam ser repensadas e aperfeiçoadas.

Dentro deste cenário, as dificuldades que os pesquisadores terão para atender às exigências da Medida Provisória No. 2.186-16 e das Resoluções do CGEN, somadas aos prazos para a conclusão de projetos de pesquisa, especialmente de bolsistas de Mestrado e Doutorado, podem inviabilizar o cumprimento da legislação. Neste caso, a Medida Provisória No. 2.186-16 terá efeito oposto ao pretendido pelos seus autores. No sentido de evitar a perda de credibilidade e eficácia de uma legislação que temos todo interesse em fortalecer, no tocante ao uso tecnológico ou comercial da biodiversidade e da justa repartição de seus benefícios, bem como a repressão à biopirataria, sem interferir com a pesquisa científica, propomos:

1– que o CGEN reconheça a diferença entre pesquisa acadêmica, que visa o aumento do conhecimento científico da biodiversidade, e pesquisa que visa o uso comercial da biodiversidade, tratando-as institucionalmente de forma diferenciada;

2– que a atividade de pesquisa cuja finalidade explícita é o conhecimento científico da biodiversidade, seja autorizada mediante um Termo de Responsabilidade, a ser firmado pelo(s) pesquisador(es) responsável(eis) ou coordenador(es) de Projeto de Pesquisa. Este Termo de Responsabilidade será exigido pelas agências de fomento federais e estaduais, tornando-se indispensável para a concessão de financiamento. Consequentemente, a emissão da autorização para coleta e estudos voltados ao conhecimento científico da biodiversidade, será delegada às agências federais e estaduais de fomento à pesquisa.

Tal autorização de pesquisa para o aumento do conhecimento científico da biodiversidade abrange atividades de coleta, transporte, depósito em coleções e estudos científicos, inclusive estudos genéticos destinados a elucidar aspectos taxonômicos, ecológicos e evolutivos da biodiversidade. A autorização facultará também a remessa, por empréstimo ou intercâmbio, de especimes para instituições científicas do Brasil ou do exterior.

A autorização para coleta e estudos visando o conhecimento científico da biodiversidade, não eximirá os pesquisadores de atenderem as exigências e quesitos específicos de autorizações para pesquisa e coleta em Unidades de Conservação, conforme normas vigentes.Caso surjam perspectivas de aplicação tecnológica ou comercial no decorrer do desenvolvimento de projetos de pesquisa científica da biodiversidade, tal fato deverá ser formalmente comunicado à agência de fomento que emitiu a autorização, e por esta ao CGEN, para a tramitação apropriada;

3– que o CGEN promova, com a maior urgência possível, uma reunião com lideranças científicas e representantes da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e das sociedades científicas pertinentes (Sociedade Brasileira de Botânica, de Entomologia, de Limnologia, de Zoologia, de Química, por exemplo) para discussão de providências emergenciais que revertam, de imediato, os efeitos negativos que a Medida Provisória No. 2.186-16 e as decisões dela decorrentes tiveram nesta ampla área de pesquisa. Considerando a importância e os desdobramentos das questões a serem discutidas, recomendamos a participação de representantes do IBAMA e do CNPq nesta reunião. Desde já a Coordenação Biota da FAPESP manifesta seu interesse em participar desta reunião;

4– que o CGEN estabeleça formalmente um Conselho Científico de alto nível para orientá-lo e assessorá-lo nos aspectos técnico-científicos de sua responsabilidade.


Matéria da revista Fapesp