USP: Tétano neonatal ainda é causa de mortes no Brasil

Manutenção de práticas inadequadas é a principal causa de mortes

seg, 18/07/2005 - 17h30 | Do Portal do Governo

Apesar de facilmente evitável por meio da vacinação materna, o tétano neonatal – que acomete bebês com até 28 dias – ainda é causa de mortes no Brasil e em outros países. Os óbitos acontecem principalmente em áreas rurais e carentes, onde são mantidas práticas inadequadas de corte e tratamento do coto umbilical (resíduo do cordão umbilical).

Em sua tese de doutorado apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, o enfermeiro Lúcio José Vieira reconstrói e analisa a trajetória de 19 mães que tiveram seus filhos mortos por tétano neonatal, em Minas Gerais, entre os anos de 1997 e 2002. Nesse período, o número total de óbitos pela doença, no estado, foi de 25.

‘Apesar de terem algum acesso ao atendimento hospitalar e a informações médicas, essas mães acabaram aderindo a práticas tradicionais, como utilizar folha de mamona ou teia de aranha para estimular a cicatrização do coto umbilical’, descreve Vieira, que também é professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo ele, os partos foram realizados por parteiras não capacitadas e, em quase todos os casos, houve o uso de instrumentos não esterilizados para o corte do cordão umbilical.

O tétano neonatal é uma doença infecciosa aguda e de alta letalidade causada pela bactéria Clostridium tetani, que tem acesso ao organismo da criança por meio do cordão umbilical. ‘Os sintomas da doença são mais graves do que em casos de tétano acidental [que atinge adultos e crianças com mais de 28 dias]. Há paralisia de alguns músculos envolvidos em funções vitais, como a respiratória. A criança fica irritada e sofre contraturas musculares. No tétano acidental, os sintomas são mais localizados, restritos aos músculos próximos ao ferimento’, explica Vieira.

Epidemia
O pesquisador informa que, dada a facilidade de se prevenir o tétano neonatal por meio da vacinação prévia de gestantes e mulheres em idade fértil, a ocorrência de apenas um caso da doença é suficiente para caracterizar uma situação epidêmica, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS). Depois do sarampo, o tétano é a doença imunoprevinível que mais mata no mundo. Apesar de o número de casos registrados no País ter diminuído consideravelmente, sobretudo no fim da década de 90, a cobertura do Programa Nacional de Imunização ainda é insuficiente.

Das 19 mães entrevistadas, 14 eram moradoras de área estritamente rural e cinco de área urbana com características rurais. Tinham em média 3,8 filhos e renda familiar de um salário mínimo. Apenas cinco delas haviam tomado alguma dose da vacina antitetânica. ‘As práticas tradicionais de cicatrização do coto umbilical eram justificadas pelo fato de as mães não terem vivenciado a morte de outros filhos, submetidos às mesmas práticas’, conta o enfermeiro. O pesquisador também verificou que, de acordo com as mães, os sinais do tétano neonatal coincidiam com a descrição do mal-de-sete-dias, conjunto de sintomas atribuídos, na visão popular, à exposição do recém-nascido ao vento e à claridade.

Desafio

Vieira classifica como um ‘desafio’ a necessidade de se difundir as recomendações médicas entre as comunidades mais carentes, sem desrespeitar suas tradições. ‘Não se trata simplesmente de ‘derrubar’ essas práticas. É necessário um trabalho de base’, ressalta.

Para o pesquisador, as políticas de saúde devem considerar as peculiaridades locais. ‘O Plano de Eliminação do Tétano Neonatal, implementado pelo Ministério da Saúde, busca, por exemplo, criar uma espécie de parceria com as parteiras, fornecendo-lhes capacitação e um papel educativo, de auxílio no serviço pré-natal’, lembra. ‘Além disso, a questão principal é estimular a vacinação. Se a mãe tomar as vacinas corretamente, o bebê estará protegido mesmo que seja submetido a tais práticas.’

Flávia Souza – Agência USP