USP: Quando o Samba é Filosofia

Tema é tese de mestrado e enfoca obras do compositor Paulinho da Viola

qui, 09/10/2003 - 11h38 | Do Portal do Governo

Da Agência de Notícias da USP
Por Antonio Carlos Quinto

‘Além de ser extremamente fiel ao que sente, vê e faz, ele acaba sendo também um cronista de seu tempo; um cronista do mundo do samba’

Como explicar a vida num samba curto? ‘Ninguém pode…. ‘, escreveu o sambista e compositor Paulinho da Viola. ‘O poeta quer dizer o mundo, mesmo sabendo que a palavra não é suficiente’, reflete a cantora Eliete Eça Negreiros. Formada em Filosofia pela USP na década de 70, Eliete defendeu, em maio deste ano, sua dissertação de mestrado Ensaiando a Canção: Paulinho da Viola, em que faz uma análise de parte da obra do autor, que ela define como um poeta e pensador da música brasileira.

O estudo é resultado de um projeto iniciado há cerca de quatro anos e o desafio a que Eliete se propôs foi o de juntar o samba e a filosofia. ‘Afinal, o samba é uma forma de ver o mundo através da canção’, comenta a cantora.

Na primeira parte da pesquisa ela faz uma reflexão sobre a linguagem – pois a canção é uma linguagem poético-musical – à luz de pensadores e artistas como Sartre, Merleau-Ponty, Rousseau, T.S. Elliot e Manuel Bandeira. Em seguida, aborda a linguagem da canção, usando para isto os ensinamentos de Mário de Andrade, Luiz Tatit e José Miguel Wisnik.

Depois, a cantora escreveu ensaios baseados em algumas canções como Para ver as meninas, em Nervos de Aço, nome do disco lançado em 1973, além de abordar sambas que ela considera verdadeiras obras de sabedoria. ‘Minha dissertação não tem nada de acadêmico’, reconhece Eliete. ‘A minha intenção foi a de criar um espaço de atenção profunda para os sambas do Paulinho, apontando toda a sua riqueza filosófica-poética e musical, e indicar alguns aspectos desta obra tão vasta e tão bela’.

Admiradora assumida da obra do compositor, Eliete Negreiros fez um recorte com algumas das canções que mais gosta, principalmente dos anos 70 e 80, traçando um perfil lírico. ‘Outros recortes são possíveis, este é apenas um deles’, explica. Segundo Eliete, as músicas do sambista traduzem, ‘o olhar dele sobre o mundo’.

Cronista do samba

O trabalho orientado pelo professor Mário Suzuki, do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, traz uma entrevista com o artista. ‘Paulinho teve acesso a todo o trabalho. Ele fez alguns comentários e acho que gostou do que escrevi’, conta Eliete. Para ela, Paulinho é ‘um descendente direto de Pixinguinha, não só pela qualidade musical quanto pela sua elegância natural.’

Tendo lançado seu primeiro disco, Rosa de Ouro, em 1965, a discografia de Paulinho da Viola conta 25 trabalhos. Contudo, de acordo com a cantora, não se trata de alguém que se preocupa com a questão mercadológica de sua música. ‘Além de ser extremamente fiel ao que sente, vê e faz, ele acaba sendo também um cronista de seu tempo; um cronista do mundo do samba’, avalia.

Para Eliete, algumas das obras de Paulinho da Viola traduzem bem esta sua característica: Dona Santina e Seu Antenor, Pagode do Vavá, Comprimido e Coisas Do Mundo, Minha Nêga, entre outras. ‘São canções que narram histórias do mundo do samba, tragédias e humores’, diz Eliete.

Eliete Negreiros canta profissionalmente há 20 anos, tendo gravado seu primeiro disco, Outros Sons, em 1982. Somente dez anos mais tarde viria a gravar uma música de Paulinho da Viola, Para ver as Meninas, no disco Canção Brasileira – A Nossa Bela Alma. ‘Cresci ouvindo Paulinho, Wilson Batista, Gal Costa, Bethânia e tantos outros. Posso dizer que Paulinho me acompanha pela vida toda. Por isso pretendo ainda interpretar outras músicas dele’, garante a cantora, que depois de cinco discos lançados, sendo o último em 1996, se prepara para um sexto trabalho.

Mais informações podem ser obtidas no site www.usp.br/agen/
V.C.